Da periferia para a USP: jovem de São Vicente é o mais novo integrante do curso de Farmácia

Estudante de uma escola pública da periferia da cidade deixou para trás salas de aula sem professores e conteúdo pedagógico defasado para ingressar na universidade mais bem avaliada do país

Por: Eduardo Brandão  -  19/02/20  -  15:56
Jonatan, em frente à escola estadual Mario Covas Júnior, onde estudou o Ensino Médio
Jonatan, em frente à escola estadual Mario Covas Júnior, onde estudou o Ensino Médio   Foto: Arquivo pessoal

Jonatan Constança Silva de Carvalho, 18 anos, sabe como ninguém o poder de transformação dos livros. O estudante de uma escola pública da periferia de São Vicente deixou para trás salas de aula sem professores e conteúdo pedagógico defasado para ingressar na universidade mais bem avaliada do País, conforme uma consultoria britânica de Ensino Superior.


O morador do Gleba II, na Área Continental vicentina, é o mais novo calouro do curso de Farmácia, da Universidade de São Paulo (USP). Filho de um porteiro de condomínio em Santos, ele é o primeiro de sua família com acesso a um curso superior.


“Só agora, que estou arrumando as malas, é que a ficha caiu. Olhava todos os dias para o site (com o resultado da classificação) para acreditar que tinha passado. É um sonho”, diz ele, que começou as aulas, segunda, no campus de Ribeirão Preto. 


Para ter chances no mais concorrido vestibular do País, Jonatan manteve uma maratona de estudo. Apostilas e provas antigas fizeram com que se afastasse da vida social e namoros, típicos da idade. E a rotina começava cedo: antes das 9 horas ele já estava debruçado sobre os livros que fechava apenas para dormir. 


“Fazia uma pausa para o almoço e partia para um cursinho popular. Chegava em casa meia-noite e ia até duas, três da manhã estudando”. 


Situação difícil


O sonho de entrar numa universidade começou por acaso. Como a maioria dos jovens de escolas públicas, a situação financeira familiar é difícil. “Imaginava ser impossível, por ser filho de porteiro, morador de área periférica e ter estudado a vida inteira em colégio estadual”. 


A sorte mudou quando um professor comentou sobre a Competição USP de Conhecimentos (CUCo), desafio criado para os estudantes da rede pública paulista. “Era uma realidade distante para mim. Nunca fui um aluno de notas 9 e 10, ficava no meio termo”. 


Mesmo sem muita confiança, o estudante do colégio estadual Mario Covas Júnior obteve bom desempenho. Com isso, ele pôde visitar laboratórios de pesquisa da USP. 


“Ali, decidi que seguiria carreira na ciência. Por isso me dediquei para a universidade pública. Quero me aperfeiçoar, fazer mestrado, doutorado e realizar pesquisas”. 


Deficiência


Contudo, a deficiência curricular na área de exatas seria uma barreira. O alerta surgiu quando Jonatan fez sua primeira tentativa no curso superior, em 2018. O fraco desempenho nessas áreas não o desanimou. “Fui aprovado num curso técnico estadual de farmácia, e aproveitei para melhorar Química e Matemática”. 


O resultado veio no ano seguinte. Além da aprovação na USP, o estudante vicentino também teve vaga assegurada na Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Por pouco também não fui aprovado na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)”, diz. 


Seu exemplo de superação motiva outros estudantes. Jonatan foi convidado para fazer uma palestra de retorno às aulas na unidade escolar em que se formou. 


O encontro despertou no jovem planos de futuro. Ele pretende criar na unidade um mutirão de estudos. 


“Nas férias e nos finais de semana, pretendo auxiliar o estudo de outras pessoas. E ajudar o maior número de jovens a poder sonhar com um futuro melhor pelos estudos”. 


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