Sentimento de inadequação

Há muitas atividades e atuações com as quais não temos a menor identidade, elas nada dizem de nós mesmos

Por: Luiz Alca  -  24/01/21  -  18:06
Há muitas atividades e atuações com as quais não temos a menor identidade
Há muitas atividades e atuações com as quais não temos a menor identidade   Foto: Wokandapix por Pixabay

O filósofo francês Michel Foucault chamava sempre a atenção para o Sentimento de Inadequação como um dos gritos internos fundamentais do homem para detectar a mais importante e rica de suas características como alguém pertencente à natureza humana: a qualidade de ser único que somos e o que isso representa entre a condução da vida particular (ética) e o conjunto de praticas que orientam a
vida coletiva (política).


Clique e Assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe acesso completo ao Portal e dezenas de descontos em lojas, restaurantes e serviços!


Somos inadequados, sim, para muita coisa. E o que isso significa no rol da existência e dos
compromissos? Primeiro, que há muitas atividades e atuações com as quais não temos a menor identidade, elas nada dizem de nós mesmos, em nada nos retorna a ponto de nos passar "a nossa maneira de fazer", o que é um grande espelho para o autoconhecimento. Depois, o que nos aborrece, enfada, não nos traz qualquer motivação e consequentemente, nos custa o dobro, dificulta a execução, enfim, exige muito de nós e ainda assim, fazemos muito mal feito. Não nascemos para aquilo e fim, justamente em nome da unicidade.


Se todos fossem pudessem fazer tudo igual, desde que em havendo esforço, não haveria essa
magnífica condição de ser único, composto de temperamento, caráter e índole, os três itens que
configuram a personalidade. Mas, vocês perguntarão: e quando somos obrigados a exercer o que nos é inadequado? Nem sempre o desenrolar da existência - ou quase nunca - permite que se faça apenas o que se gosta ou se tem aptidão. Sem dúvida. É quando teremos que nos adaptar para sobreviver. Aliás, adaptação é um dos seis itens da inteligência o que em breve falaremos.


Adaptar-se é aprender a viver e conviver com o que não está no nosso desejo, não foi escolhido e nem compõe o ansiado nos quadros mentais, situações que surgem e nos aturdem, assustam, machucam, arrasam. De forma que mesmo não mudando esses quadros, vivamos razoavelmente bem, até alegres e satisfeitos, embora não tenha havido mutações. Só que para poder trabalhar essa necessária adaptação - e não a conformação, por favor - é preciso não se enganar e nem cair naquelas horríveis frases feitas do "a gente se adapta a tudo" ou "querer é poder", falsas, feitas de preceitos religiosos ou morais, mas que nada têm a ver com o sentido do homem em suas angústias.


Repito, num tema, modéstia à parte, dos mais importantes para a compreensão humana: não somos adequados a tudo, o que é muito difícil de enxergar em nome da perseguição da finalidade e da pressão da ordem vigente. Que tanto abafam o primitivo que nos habita, o "estranho" que nos compõe e muitas vezes se opõe às ilusões românticas que incluem a aprovação dos outros e as prisões do apego.


Essa consciência é muito importante na ampliação de limites e na evolução, embora muito difícil. Os
inadequados adquirem uma fantástica lucidez que barra a conformação e não deixe que se aniquile a
força e a luz, assim como impedem que o homem perca o vibrátil de sua natureza magnífica. O
entendimento do que somos e não apenas da pessoa que agora estamos.


Tudo sobre:
Logo A Tribuna
Newsletter