Se o mundo terminar amanhã

Se o mundo terminar amanhã, eu espero que não tenha mantido (já que não ter despertado é impossível) nenhum rancor por parte das pessoas a mim, por algum mal que possa ter-lhes provocado, voluntária, em nome das misérias comuns, ou involuntariamente, em nome da fragilidade humana

Por: Luiz Alca  -  13/09/20  -  09:50
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Se o mundo terminar mesmo amanhã como há previsões sérias e objetivas a respeito, a ponto de assustar tantos e divertir alguns, descrentes, eu almejo, neste penúltimo dia que a minha passagem não tenha sido em vão.


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Se o mundo terminar amanhã, eu espero que eu não tenha mantido (já que não ter despertado é impossível) nenhum rancor por parte das pessoas a mim, por algum mal que possa ter-lhes provocado, voluntária, em nome das misérias comuns ou involuntariamente em nome da fragilidade humana.


De qualquer forma, em sendo este o possível dia pré-final, peço desculpas, sinceras desculpas, se magoei, ofendi ou atrapalhei o caminho de alguém. Diz a mensagem do Graal “não deites pedra aonde o outro ainda terá que passar, não mates os anseios de teu próximo e nem lhe roubes a confiança que em ti deposita”.


Se o mundo terminar amanhã, eu espero que tenha dado, ao menos tenha tentado, dar o valor certo para cada coisa que tenha cruzado meu caminho, nem valorizando em excesso o que era menor, em razão da futilidade e do status e nem deixando de enaltecer as pequenas grandes coisas, as dádivas com que a Grande Força possa ter-me presenteado no correr do caminho, a ponto de não desperdiçar tão magníficas possibilidades.


Por falar em desperdiçar, também torço muito por não tê-lo feito com os talentos recebidos, com as dotações, com os privilégios da inteligência, da emoção e da chance de ampliar a consciência, na certeza de que potencial é o conjunto de dons que o Criador investiu em cada um de nós.


Se o mundo terminar amanhã, eu espero não ter humilhado ninguém, não ter pisado sobre seus propósitos e garantias, que nunca me tenha julgado acima das pessoas ou me considerado em superioridade. E, se o fiz alguma vez, em nome de ser humano e susceptível às vaidades, cargos e honrarias, tão passageiras num momento em que tudo pode ir por água abaixo e que nenhuma fortuna ou poder pode impedir, que eu me arrependa, fervorosamente me arrependa, por favor.


Se o mundo terminar amanhã, também espero ter amado o suficiente na medida da minha condição de ser amorável, de ter buscado dar alegria e felicidade aos amados, já que a maravilha do amor é conseguir iluminar a vida das pessoas naquilo que nos cabe fazer. Que eu possa ter sido um filho razoável, o parceiro possível e dedicado, o parente envolvido e o amigo carinhoso e atento.


Ah, como tudo terá valido a pena, então!


E se o mundo não terminar? Que eu e vocês continuemos tentando evoluir e perceber a que viemos, até aquele outro término inevitável. Que nos leva a entrar num túnel, cuja saída é de luz ou de sombra, dependendo de como vivemos.


PS: Esta crônica foi escrita em 20 de dezembro de 2012 quando se anunciava que o mundo poderia terminar no dia seguinte. E falavam com toda a seriedade. Não terminou. Que bom! Se tivesse terminado esta revista não existiria. Eu continuo na batalha.


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 20


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