Quero uma mãe gordinha!

Olhei pra ela, vi o jeito de tratar a gente e desejei muito ter uma mãe gordinha assim

Por: Luiz Alca  -  16/08/20  -  13:00

O tom depressivo da garota de 17 anos, no e-mail, me abalou no meio de um feriado. E olhe, que tenho recebido muitas mensagens de adolescentes, o que é muito bom. No início nem entendi quando ela fala que “chapou o coco” para ter coragem de escrever e que anda gastando toda a mesada com “goró”, apesar de odiar fazer isso. Tive que pedir ajuda a um outro adolescente para saber que “chapar o coco” é ficar bêbado e “goró” é a própria bebida. Aí ela descreve o seu drama e a imensa tristeza, sempre nos mesmos termos.


Sente-se completamente abandonada pelos pais, também muito jovens, de 37 anos, a mãe e de 41, o pai. Só tem um irmão de 12, que mora com a avó, em Campinas. Em resumo, ambos trabalham, ficam fora o dia inteiro e quando chegam em casa, mal trocam de roupa e vão para a academia, malhar. Passam lá duas a três horas e depois cada um estica com os amigos para um lado. 


Nos fins de semana, também fazem seus programas e dizem que é legal, a filha fazer os dela. A menina diz que só tem a empregada para “resumir a semana”(conversar) porque a galera não quer falar disso. Achando-se feia, não quer ficar com ninguém e assim, quando sai, bebe tudo o que tem direito.


A mãe só abre a boca para dizer que ela é relaxada, está gorda e com a pele feia e faz comparações com sua própria figura, segundo a menina, superbem e com um físico  invejável. O pai, que as amigas dela paqueram é um gato. “Mas nunca se interessa por nada meu e quando tá em casa, dorme ou fica na internet”.


O texto do e-mail é longo, mas pelas tantas ela diz “ontem fui na casa de uma colega do colégio, estudar e a mãe dela fez bolo de chocolate e suco pra gente e me beijou, cara, coisa raríssima lá em casa. Olhei pra ela, vi o jeito de tratar a gente e desejei muito ter uma mãe gordinha assim, sem ser liberalzona, que me controle, não me deixe chegar de madrugada e brigue comigo mas que se interesse pela minha vida, cara, não deixe eu fazer o que quiser, me dê amor, pô! Não quero só uma mãe e um pai bonitos!”


Não soube ainda o que responder-lhe. Preciso explicar-lhe que não se trata de ser gordo ou magro, bonito ou feio, mas de uma carência sem fim. É um duro e amargo relato do momento em que vivemos.


PS: A vida é realmente interessante e nos apresenta circunstâncias a cada dia que podem servir de grandes lições. Escrevi esta crônica em 2005 e causou muita polêmica entre prós e contras. Poucos dias antes de fechar esta revista, cruzei com uma bela e esguia jovem no calçadão que veio na minha direção. Empurrava um carrinho de bebê e sorria. Era a a menina hoje casada e mãe. Depois de me lembrar da crônica, olhou o filho com imenso amor e me disse "não vou deixar de fazer bolo de chocolate e de abraçar meu filho, sempre e sempre".


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 58


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