Quando envelhecemos

Moralizar passa a ser um recurso delicioso; criar uma regra de certo e errado, sobre as coisas que praticadas e que são julgadas certas

Por: Luiz Alca  -  13/12/20  -  11:00
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Um amigo, evidentemente, com total discrição profissional e num notável ensaio de humor - como é admirável pessoas que ainda o cultivam, sem cair no hilário, no jocoso, menos ainda no deboche - listou o que pode ser sinal claro de que estamos envelhecendo e nos tornando refratários aos gostosos excessos da existência em nome de uma vida mais calma e sem grandes surpresas.


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Quando passamos a selecionar um programa social em nome das restrições: se começar cedo, se não demandar maiores esforços de locomoção (noutra cidade nem pensar), se não precisar ficar de pé por muito tempo como nos coquetéis em que todos correm para os lounges assim que chegam para garantir o lugar, se houver claridade para enxergar o que se come e o principal: a música não for alta, o que passa a incomodar muito os ouvidos, a ponto de ir pedir ao conjunto que abaixe ou reclame com a organização. Ah, em sendo um jantar que não demore nada par servir. Tem-se muita pressa em ir embora, a cama não pode esperar.


O sofá diante da TV passa a ser mais e mais sedutor, começa a ter poderes mágicos para atrair além de qualquer oferta de diversão, lazer ou chance de aculturamento. Mesmo que reclamar da programação seja uma constante e os lamentos pela solidão possam surgir mais fortes.


Caminhar na praia tem que ser cedo; aliás, a obsessão de acordar pouco depois do raiar do dia e se gabar disso é comum. Mesmo que não se tenha horário corrido ou compromisso depois. A não ser postar-se à porta do banco antes de abrir e reclamar da espera, mesmo podendo ir num outro horário. Muitos adoram afirmar "às seis horas já estou de pé" e criticam "não entendo você dormir até às nove da manhã, perdendo o melhor do dia". 


Por sinal, moralizar passa a ser um recurso delicioso; criar uma regra de certo e errado, sobre as coisas que praticadas e que são julgadas certas. Muitos acabam desagradáveis por se transformar em verdadeiros manuais de retidão. 


Falar em doenças, contar mazelas, detalhar consultas médicas e exames feitos, questionar se os outros também passam pelos mesmos males, achar que tudo faz mal ou é perigoso, adquire um sabor especial. Surge também um prazer inenarrável em relatar catástrofes e dramas alheios.


Como passar receitas e indicar o que pode ser saudável. Você ainda não se atrai por isso? Que bom, está adiando ou quem sabe, relegando a possibilidade de se tornar um chato.
E a implicância? Já repararam como aumenta sob a alegação de que "na minha idade não tenho mais que conviver com isso". Implicância com a bagunça dos netos em sua casa, com a funcionária doméstica que comeu uma fatia maior da goiabada - sempre lembrando que a mesquinhez começa a rondar - com os atrasos dos filhos e com a amiga íntima que lhe interrompeu o discurso já que falar de você é sempre o principal e o que vale a pena.


Mesmo assim, há coisas muito boas no envelhecer; uma delas é saber que todos vão chegar lá e agir do mesmo jeito...


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