O ponto do não retorno

O ponto do não retorno, memorável na expressão de Franz Kafka, é um dos momentos mais complexos do homem dentro da filosofia do comportamento

Por: Luiz Alca  -  13/09/20  -  13:00
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Essa é uma proposta audaciosa; um tanto temerosa, passível de ser considerada chata por aqueles dominados pela preguiça de pensar ou incômoda para quem está sentindo isso forte neste momento: o ponto do não retorno. Um dos momentos mais complexos do homem dentro da filosofia do comportamento, a minha apaixonada área de atuação.


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Que foi uma das mais fortes chamadas de um escritor brilhante: o tcheco Franz Kafka, autor de “O Processo” e “A Metamorfose” entre tantas outras obras notáveis, ao afirmar “De um certo ponto adiante não há mais retorno. Esse é o ponto que deve ser alcançado”. A afirmativa foi feita em 1921, três anos antes de sua morte, ao avaliar a própria existência e renegar os possíveis arrependimentos vindos das dificuldades e das mágoas da incompreensão alheias.


Aliás, a questão forte de todos os que topam a tarefa de enveredar por caminhos que possam mudar valores, transformar visões e re-significar as propostas da existência, é deparar-se num determinado momento da jornada com esse não retorno. É quando surge a inevitável pergunta nas horas do medo do novo: “não era melhor antes?” ou “será que eu não era mais feliz antes quando não enxergava certas coisas?”.


Pergunta muito dura de responder por qualquer um que esteja próximo, que tenha colaborado de alguma forma para que houvesse ânimo e coragem para a trilha desses caminhos ou que tendo afeto pelo caminhante ousado, tema a desistência ou se preocupe por algum prejuízo causado, mesmo que involuntário.


Mas, felizmente, não há volta, ainda que muitos o tentem, nas horas de fragilidade ou de dúvida diante dos impedimentos. Ou pior, dos massacres vindos de quem não entende ou não aceita a face nova de alguém, porque lhe foge às mãos.


O ponto do não retorno é um dos mais fortes encontros que temos com a maturidade. É quando chega a consciência de que o pertencimento, tantas vezes delicioso e acolhedor e a zona de conforto que tanto corresponde ao comodismo razoável não podem impedir a tentativa de evolução, assim como a lucidez não tem intervalos e nem desligamentos como se fosse um aparelho eletrônico que a gente manuseia quando quiser.


A partir de que enxergamos certas coisas de nós, não há mais como colocar a venda nos olhos. Sabem porque? Pela autoestima que alavancou a busca e que se mantém acima das discussões comezinhas ou dos egoísmos daqueles que nos querem só para si e se recusam a compreender as nossas inquietações.


O ponto do não retorno é exatamente o que deve ser alcançado, pelas exigências de um ser em seu processo de evolução e que ao atingir determinado grau de clareza, não consegue retornar, mesmo que quisesse. E se ele traz solidão e mágoa em alguns momentos, tanto como temores e incertezas, também nos traz o sentido da grandeza do homem e de seu compromisso com a própria natureza.


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 18


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