O fluxo da vida

Tudo isso é percebido ao se ter a noção da passagem. A vida tem um fluxo, inevitável, sábio das sequências, quando vêm à tona a sensação de finitude e a maravilha da iniciação

Por: Luiz Alca  -  30/08/20  -  14:10
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Uma das atitudes existenciais mais inteligentes e com efetivos resultados é acompanhar o fluxo da vida. Ela se desenvolve assim, em correntes, movimentos contínuos que se refletem na passagem do tempo. Se há fluxo é porque há abundância, seqüência de uma quantidade. É preciso deixar-se embalar por esse movimento, adequando-se a cada instante e usufruindo da confiança que isso possa trazer ao invés de reclamar ou recusar-se a perceber.


“Lá bem do alto do décimo segundo andar do ano vive uma louca chamada Esperança”, disse o poeta gaúcho Mario Quintana sobre o que se espera de um novo ano. Mas não é só nesse período que se deve visualizar o fluxo, mas a cada circunstância nova, a cada sentido que temos de que é preciso olhar e agir de forma diferente.


As coisas mudam; as situações também. O existir está sempre ligado ao curso da vida que se manifesta através das sucessões. Por mais que isso seja óbvio, a Ilusão do Sempre, a cotidianidade, os valores e crenças, torna difícil essa conscientização. Acaba não sendo verdade em nós ainda que seja uma afirmativa real.


Eis porque é preciso diferenciar ciclos, fases e ritmos e sempre insisto com quem participa do meu convívio para que esteja atento, para a clareza de se observar os fluxos.


Ciclos são mudanças internas, alterações no que aspiramos do viver, as novas buscas, o que já se completou ou foi ultimado. Se toda a natureza é cíclica – inverno, verão, dia, noite, amadurecimento, floração, fenecimento – porque em nós, pertencentes a ela, seria diferente? Por favor, atenção nisso!


É por nossos ciclos que evoluímos, nos transformamos, damos novos significados aos acontecimentos e afetos; percebemos o que já foi e o que está chegando para ser desvendado, vivido, elucidado. O que antes em nada interessava e que agora chama a atenção e causa admiração, o que vai ficando distante e traz uma sensação clara de que já se cumpriu porque nada mais será acrescentado. O que nos faz pulsar agora e o que já se tornou doce lembrança ou amarga experiência.


Fases são externas, tangíveis, claras de se distinguir porque atuam na cotidianidade. A fase dos filhos pequenos, a que se morava noutra cidade, a fase de estudante e a de se tornar profissional, quando se morava na casa e depois no apartamento, a fase da atividade plena e da aposentadoria. Quem acaba por ocupar todo espaço dos quadros mentais e preencher o tempo a ponto de nada sobrar para se corresponder aos apelos dos ciclos.


Que não se submetem como pretendemos por conveniência ou acomodação; o ciclo não espera a fase confortável, desaparece, perde a força. Ou seja, de repente uma pessoa desinteressada é despertada pela curiosidade de fazer um curso de História da Arte, anima-se por um momento, mas é atropelada pela fase e determina “como minha filha vai se casar no ano que vem, depois eu faço nisso”. Não vai fazer mais, com certeza.


Ritmo é a impulsão que damos ao comportamento ao notar que é preciso acelerar ou diminuir, é claro. O ritmo de sua avó na sua idade atual era completamente diferente do seu já que eram outras as circunstâncias, que, modificadas, pedem outro movimento. Darmos o ritmo certo ao evento que temos à frente é sábio: não ir com muita sede ao pote ou não perder o ônibus que vai sair.


Tudo é percebido ao se ter a percepção da passagem. A vida tem um fluxo, inexorável, sábio e que se faz através das sequências, quando vem à tona a sensação de finitude e a maravilha da iniciação.


Somos seres descontínuos e não programados; fluxuais e não, estanques. 


A compreensão chega quando chega e nos liberta!


*Texto publicado em 29/8/2015 na revista Luiz Alca Crônicas, página 10


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