O desejo

O desejo não é um problema para ser resolvido, mas um maravilhoso paradoxo a ser bem gerenciado

Por: Luiz Alca  -  18/10/20  -  20:10
Atualizado em 19/04/21 - 17:45
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Não há verdade maior para o homem do que o seu desejo: eis porque conhecê-lo é de fundamental importância ainda que realizá-lo seja outro papo. Disso sabiam bem, os grandes mestres do psiquismo, como Freud, Jung e Adler. E nós, simples mortais, entendemos sua força e resultado, quando vamos fazer terapia e tememos justamente isso: enxergá-lo e assumir o que realmente desejamos.


Um amigo, renomado psiquiatra tem um livro sobre uma pergunta fatal e fundamental “você quer o que deseja?”. A resposta honesta mata qualquer tentativa de fingimento.


O desejo começa na pulsão, a força que movimenta o homem na luta por viver, além do simples existir, se faz ânsia, quando os incômodos passam a ser sentidos e temos a sensação da falta, de que não estamos dando à inteireza, a complementação mínima e chega ao que é: a representação mental dos objetos que poderão nos dar prazer quando encontrados. 


Não existe desejo que não tenha como finalidade o prazer em sua essência, assim como não há prazer, do fio do cabelo ao dedo do pé, que não venha do desejo; daí a grande confusão feita com o gozo, que vem de fora, é oferecido e não elaborado em criatividade e imaginação por nós mesmos. Foi (ou ainda é?) a grande questão machista em ignorar essa distinção e acabar metendo os pés pelas mãos.


A diferença é clara que quem tem a consciência do sentir: o gozo se extingue no ato, se satisfaz, esgota muitas vezes, enquanto que o prazer ultrapassa, permanece muito além do ato sexual, por exemplo, não termina no mero exercício. 


Logo, as pessoas inteligentes dentro das relações humanas aprendem que o importante não é ter a posse dos amados, querer prender ao lado, cobrar, exigir, como é comum na adolescência que ainda não percebeu isso, mas estar no desejo do outro, dando-lhe toda a liberdade.


O verdadeiro poder é o ser desejado. Quem deseja alguém leva esse alguém no bolso quando se afasta e sua imagem volta e mantém a atração, mesmo à distância. E isso se faz em todas as relações humanas e nas circunstâncias. A tática mais segura e eficiente, já que quem deseja, volta. Ah, como foi importante amadurecer esse fantástico movimento no decorrer do caminho. Como me ajudou no campo profissional, na amizade e principalmente, a ganhar certa confiança na relação a dois.


E assim, a valorizar o desejo ao invés de temer; muito pelo contrário, cultivá-lo como o precioso recurso de autoconhecimento, de ajuda contra os sucessivos enganos, disfarces, moral de superfície. Aliás, tenho insistido num ponto quando vejo pessoas à volta atormentadas, invertendo a ordem: o desejo não é um problema para ser resolvido, mas um maravilhoso paradoxo a ser bem gerenciado.


Que as pessoas não fujam de suas representações mentais, dessa ajuda impulsional, por medo de pensar, de permitir-se a sentir, de entender que não desejamos o que é bom, o que é possível, o que é permitido.


Apenas desejamos e aí está a nossa verdade.


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 42


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