Uma linda metáfora do comportamentalista espanhol José Antonio Marina, chamada de "Ética para náufragos", que tive oportunidade de conhecer em 1998, numa magnífica exposição sua, mostra bem não só o que é realmente a ética, no aspecto filosófico do "ethos" grego, como o quanto ela é importante nas horas dos naufrágios, quando precisamos nos atirar no mar para não morrer, não só de forma involuntária quando o barco em que estávamos afunda, mas também voluntariamente, quando percebemos que tomamos a nau errada...aquela que acabará por nos aprisionar ao invés de conduzir ao destino desejado, aquela que Camões chamou de "Nau Sombria dos Escondidos".
Em alto mar, precisamos, intercalar as braçadas seguras e corajosas com o boiar, para tomar fôlego e prosseguir. Até chegar à praia, terra firme e descansar, recuperarmo-nos e sentir a agradável sensação de que estamos salvos.Até que para as almas inquietas e não satisfeitas com uma parte apenas da jornada, a necessidade de voltar ao mar; imperiosa quando surge a questão interna "não foi para morrer na praia que lutei para não sucumbir, mas também o foi para ficar só nesta ilha, tenho metas maiores e mais importantes do que apenas sobreviver".
Construir agora o próprio barco por menor e mais precário que seja é a finalidade; trata-se do momento duro e precioso na vida em que entendemos que muitos nos ajudam, colaboram, estendem a mão, mas contar mesmo, só o podemos, conosco. Pronto o barquinho, outra dvida nos assalta: voltar ao destino conhecido ou seguir em frente? Eis um duelo interno; tomara que vença o prosseguir, já que em algum lugar estará aquele objetivo perseguido e sonhado, ao sair em viagem.
O barco e a decisão de seguir fazem parte do roteiro existencial dos que não querem passar em branco, morrer na praia ou manter-se seguros pagando o preço alto do aprisionamento num porão de navio. A embarcação comporta vários nomes, como "persistência do possível", "coragem", "esperança". E tudo o mais que possamos acreditar.
Ah, um dia voltaremos, já sem qualquer medo ou sufoco, por sabermos que o adquirido naquela aventura não mais se perde. Aliás, essa é a saga da vida humana: um interminável regresso e uma permanente saída.
Os que não enxergam isso, passaram em brancas nuvens, não deram ao existir a importância que tem, entre dores, alegrias, temores e satisfações só preocupados em manter-se em segurança. Não entenderam que a vida é um substantivo à espera de um adjetivo e que a dignidade da vida pode ser um valor superior a ela. Por favor, amigos leitores: que não haja desperdício do substantivo, que se lute para fazer brilhar o adjetivo. Sêneca, o filósofo latino dizia " náufrago fui antes que navegante". Que imensa verdade!
E um querido mestre escritor português gritou "navegar é preciso, viver não é preciso", o que muitos custaram a entender, pela sutileza metafórica. Provavelmente, os que trocaram os sonhos pela segurança de um navio sombrio ainda que vivendo em seu porão.
É o que vale o salvamento entre tantos naufrágios que sofremos pela caminho. Essa é a ética que vale e nos faz feliz.