Falsa sensibilidade

Valorizo muito a sensibilidade, o gesto carinhoso, o captar de uma dor ou o sentir a hora certa de ligar ou se aproximar, assim como a sutileza do toque, da palavra certa, da carícia essencial. Mas a cada dia tenho menos paciência com a falsa sensibilidade

Por: Luiz Alca  -  20/09/20  -  19:01
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Sempre desconfio das pessoas que se dizem prejudicadas por uma “sensibilidade excessiva”, já que assim sendo, sofrem mais do que os mortais comuns. Geralmente vêm com aquela cantilena “é ruim ser sensível desse jeito, porque me ressinto das situações e dos relacionamentos muito mais do que os outros”.


Desconfio justamente porque a sensibilidade é uma das grandes forças da natureza humana e que traz ao homem um requisito importantíssimo em termos de apreensão dos fatos e maior alcance: a transparência, a magnífica possibilidade de enxergar além do material, de ter a percepção, ou seja, sentir o que é, embora não esteja aparente no mundo físico.


É nessa confusão de sensibilidade que muitos interpretam errado os fatos da existência e trocam essa presumível condição de sensível por melindre, a falsa mágoa que tantos cultivam. Há que se separar esses comportamentos, por favor. Os que se ofendem com tudo, que sofrem por bobagens, que se dizem “muito magoados” porque um conhecido passou por eles na caminhada de praia e não cumprimentou – quem reconhece, principalmente as mulheres, de boné cobrindo os cabelos e óculos escuros? – não são sensíveis, como julgam, mas melindráveis.


O que é muito chato e torna as relações difíceis e cansativas. É horrível conviver com quem precisamos pisar em ovos, temos que medir as palavras e gestos e nos preocuparmos em nunca cometer qualquer esquecimento ou falha porque isso causará muita dor de cabeça ou mal entendidos. Quando a naturalidade vai para o espaço.


Tudo bem que haja certa cerimônia, sem formalismos, claro, cuidado, atenção e consideração, mas que não falte descontração e principalmente, esse delicioso deixar correr, na certeza de que os amigos e os mais próximos, nos compreendem sem que sejam precisas mil e uma explicações.


Um brilhante filósofo lituano radicado no Brasil, de quem assisti junto com meu pai, palestras magníficas, Huberto Rohden, autor de obras preciosas, usa uma expressão “ofendibilidade” exatamente para definir essa sensibilidade furada, o aborrecido do melindre. Diz ele “a inteligência e a verdadeira sutileza ajudam a diminuir o grau de ofendibilidade; quanto menos ofendível, mais segura de si a pessoa é, separando o joio do trigo, determinando o que realmente é importante nas relações humanas”.


Valorizo muito a sensibilidade, o gesto carinhoso, o captar de uma dor ou o sentir a hora certa de ligar ou se aproximar, assim como a sutileza do toque, da palavra certa, da carícia essencial.


Em compensação, a cada dia, tenho menos paciência com essas criaturas “sensíveis” que se melindram com tudo e que dão uma importância descabida ao que não merece a menor consideração, porque nada acrescentam em retidão, em interesse, em afeto. São superficiais, tanto quanto assim nos enxergam.


Basta reparar e comprovar.


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 22


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