Como existimos

Existir para nós é diferente do existir do animal ou do vegetal. O homem não tem um ser dado, pronto, ele que se faz. Essa é a base do existencialismo. 'A existência precede a essência', proclamava Sartre

Por: Luiz Alca  -  06/09/20  -  17:21
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Uma jovem de 22 anos me pergunta “o que se esconde por trás da simples existência? Tenho uma enorme curiosidade em saber mais sobre isso”. O que me surpreendeu e entusiamou, na certeza que o mundo não está perdido; muito menos a juventude. Diga-se de passagem, uma garota bonita, saudável, corpo perfeito e um olhar brilhante e interessado. Logo não é preciso tornar-se adulto ou até envelhecer para pensar e questionar sobre o que vale ou não, nesta vida.


Começamos a conversar e ela logo pediu que lhe explicasse sobre o movimento existencialista de que ouvira falar na faculdade e nunca entendera bem, pedindo desculpas educadamente por me cansar, num final de noite.


Expliquei-lhe que o existencialismo é um movimento filosófico que tenta registrar o modo de ser do homem no mundo, diferente da planta e do animal. “Existir” num sentido amplo é ser o senhor de conduzir-se, de assumir problemas e questionamentos e de cumprir o compromisso maior de construir-se. Eis a famosa afirmação de Jean Paul Sartre, o filósofo francês apaixonado pela corrente e tão mal compreendido pela religião, por exemplo, que dizia “a existência precede a essência”. Uma verdade inquestionável, a que ele acrescentava “e por isso nos engana”.


Em tempos de uma religiosidade ferrenha e indiscutível parecia um sacrilégio, a ofensa absoluta a Deus, o criador essencial. Mas que é de uma clareza total e de uma lucidez indiscutível.


É claro que a existência precede a essência na apreensão e no conhecimento. Se não tivermos o sentido da existência jamais iremos mais fundo. Não se pode querer que um jovem – e fiz ver isso a interessada garota – que ainda não se definiu ou se entendeu em personalidade, seja profundamente espiritualizado ou desapegado das coisas materiais. Não dá, absolutamente não dá!


Lógico que começamos pela existência, por marcar terreno, por buscar nossa autoafirmação, por lutar por nossos desejos e vontades mundanas. Até que chega o dia do questionamento “é só isso ou tem mais?”. Que para alguns chega mais cedo como no caso da jovem que me inquirou; para outros chega mais tarde e...para tantos, não chega nunca. Os que permanecem nos limites da existência sem procurar algo além.


Não entendendo que para o homem o existir é mais do que apenas viver, comer, dormir, gozar, sofrer, trabalhar ou tirar férias e morrer. O existir meu difere do existir das lindas gatinhas que habitam o meu escritório ou da planta que enfeita o meu terraço. Um gato nasce gato e em seu instinto encontra tudo o que precisa, ele cabe aí, eu não, sou além da natureza e por isso, tenho que aprender a viver. Não tenho um ser dado, pronto, preciso fazer-me a cada dia. Essa é a minha escolha ou não. Daí, outro importante grito sartreano, “o homem é o ser condenado à liberdade”.


Doce condenação para alguns, medonha para outros. Fica claro então, que não existimos de um modo geral, o que seria uma extrema crueldade, somos seres singulares, cada um inventa a si mesmo.


A jovem interessada ouviu isso e foi embora com lágrimas nos olhos. Espero ter-lhe passado a ventura do que é a existência.


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 16


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