Projeto abre as portas do mercado a jovens

Orientação e cursos são a base da inserção

Por: Lucas Pinto & Colaborador &  -  30/10/19  -  13:41
O Cia Jovem oferece preparação para começar o trabalho de capacitação
O Cia Jovem oferece preparação para começar o trabalho de capacitação   Foto: Carlos Nogueira/ AT

Para alguns jovens, a entrada no mercado de trabalho é o primeiro de muitos desafios na vida. Para outros, isso é mais um dos muitos obstáculos já enfrentados por razões que fogem ao seu controle. Em São Vicente, um projeto se dedica a ajudar esses jovens de trajetória mais árdua, ao longo de sua curta vida. 


Trata-se do Centro de Formação de Aprendizes (Cia Jovem), uma iniciativa da Associação de Desenvolvimento Econômico e Social às Famílias (Adesaf). Há dois anos, o projeto oferta gratuitamente a jovens em situação de vulnerabilidade social de 14 a 24 anos, moradores de São Vicente, o curso de Assistente Administrativo, no modelo de aprendizagem. 


A entidade, porém, se diferencia de outras que realizam um trabalho parecido em dois pontos: o público atendido e o desenvolvimento pessoal. 


Quando um jovem se inscreve para um processo seletivo do Cia Jovem, ele preenche um cadastro no site da instituição. Lá, há um questionário com perguntas sobre família, renda, local onde mora, escolaridade, entre outras. A instituição dá preferência para candidatos que estão em maior situação de risco social. 


“É muito comum pessoas em situação de vulnerabilidade irem a locais que oferecem esse tipo de curso mas não conseguirem. Seja por uma questão de defasagem escolar ou porque moram longe, por exemplo. Aqui, a gente tenta incluir essas pessoas”, explica Kléber Dias, professor e supervisor do Cia Jovem.  


Antes de começar o curso, os aprovados passarão pelo Inicia Jovem. Uma etapa preparatória, onde o jovem receberá aprendizados básicos e um serviço de convivência, que conta com atendimento social e psicológico para ajudá-lo em quaisquer problemas da vida pessoal. 


“A gente põe à disposição um serviço de fortalecimento de vínculos, com uma equipe multidisciplinar que inclui psicóloga e assistente social. No Inicia, tratam-se as questões da vida pessoal e social do jovem para que ele esteja pronto para entrar no mercado de trabalho”, relata Fernanda Gouveia, diretora-presidente da Adesaf. 


No aguardo 


O curso preparatório dura três meses, com aulas quatro vezes por semana. Após essa etapa, o jovem entra em um banco de talentos, no qual aguardará por uma oportunidade de trabalho remunerado como aprendiz.  


No Cia Jovem, que dura 11 meses, o adolescente fará uma aula por semana, de conhecimentos teóricos, e estará durante os outros quatro dias no local de trabalho, onde terá atividades práticas. As aulas e atividades nos cursos abordam temas como Língua Portuguesa, ética, mundo do trabalho, Direitos Humanos e participação cidadã. 


Kléber ressalta que o Cia Jovem preza pela escolaridade dos jovens. É obrigatório estar matriculado na rede de ensino para participar, mesmo que antes estivesse longe das salas de aula. 


“Quando eles ingressam pedimos o boletim escolar para saber quais são as dificuldades que cada um têm e potencializá-los. Para os que estavam em defasagem, acompanhamos o processo na escola”. 


Palavras de quem viveu o novo 


“O foco deles é a gente. Pessoas de comunidade, pessoas que têm 16 anos e pararam seus estudos. Pessoas que têm 15 anos e estão na boca do tráfico, eles pegam gente assim pra transformar e pra mostrar que é possível”. As palavras são de Bryan Calebi, de 17 anos, morador da Vila Margarida. Sua história, assim como de outros jovens, mostra que o Cia Jovem supera o objetivo da aprendizagem profissional. 


Um temperamento inicialmente explosivo e um relacionamento difícil com a mãe e o padrasto fez com que Bryan fosse expulso de casa quando tinha 11 anos. Encarar a dureza da vida com tão pouca idade era algo que o deixava desanimado. “Eu achava que não ia ser nada na vida, até por causa de palavras que ouvia e me machucavam. Fui morar com uma vizinha no começo, mas vivia de casa em casa”, conta o adolescente, que entrou pro Cia Jovem por meio da rede pública de assistência social. 


Logo que começou o curso, ele mudou de comportamento e começou a reconstruir o relacionamento com a família.  


Sonhos 


Hoje, Bryan voltou a morar com a mãe e é um jovem sorridente e animado com o primeiro emprego. Ele sonha em fazer duas faculdades, de Medicina e Direito, e acredita em sua capacidade. Para se motivar, sempre repete um mantra: “Eu quero, eu posso e eu consigo”. 


Quem o ensinou essas palavras foi Maria Eduarda Conceição, de 18 anos, que também é da Vila Margarida e participou do Cia Jovem. Duda, como é chamada pelos amigos, tem uma fala alegre, calma e motiva os colegas, mas nem sempre as coisas foram fáceis. Na escola, ela sofreu o bullying e o racismo. 


“Eu era a única menina negra da minha sala. A única ‘do cabelo duro’, como falavam. Já fizeram músicas me zoando, me chamando de ‘macaca”. 


Crises 


Os episódios provocaram crises de ansiedade e de pânico, que fizeram a jovem ser internada duas vezes. Foi no Cia Jovem que ela foi informada sobre a doença. 


“Um dia vim pra cá e estava muito triste. A psicóloga me chamou, conversou comigo e me falou sobre a síndrome do pânico. A todo atendimento de que precisei foi ela que me encaminhou, pois eu não teria condições de pagar”. 


Superação 


A morte da mãe quando tinha apenas 12 anos fez com que Mariane da Cruz, hoje com 16, precisasse amadurecer precocemente, mas o desafio a deixava assustada. Na Esplanada dos Barreiros, seu bairro, ir a um mercado que fica duas quadras longe de casa já era difícil. “Eu tinha muito medo de sair sozinha e de conversar com as pessoas”, relata. A jovem conheceu o Cia Jovem por causa de uma prima que fez o curso e a incentivou a participar. No projeto, Mariane encontrou não só um lugar que a levou para o primeiro emprego. Ela achou um local para desabafar sobre suas dificuldades e superar barreiras pessoais. “Quando comecei o curso comecei a me abrir mais, conhecer gente nova e fazer amizades. Meu mundo mudou completamente”. 


“Eu tinha muito medo de sair sozinha e de conversar com as pessoas”, relata a jovem
“Eu tinha muito medo de sair sozinha e de conversar com as pessoas”, relata a jovem   Foto: Carlos Nogueira/ AT

Perfil  


Perfil: Centro de Formação de Aprendizes (Cia Jovem) 


>O que é? 


Curso de aprendizagem para Assistente Administrativo, para jovens de 14 a 24 anos em situação de vulnerabilidade social, moradores de São Vicente. Além da aprendizagem profissional, preza-se pelo atendimento social, psicológico e familiar dos jovens. 


>Onde é? 


Rua Guarani, 70, Parque São Vicente, São Vicente.  


Tel. (13) 3568-4191 ou acessar o site.


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