Goalball transforma a vida de alunos do Lar das Moças Cegas em Santos

Novos caminhos: esporte prova que os deficientes visuais podem ter vida autônoma

Por: Tatiane Calixto & Da Redação &  -  02/10/19  -  14:02
No Lar, o esporte é desenvolvido desde 1999, e hoje é a principal atividade esportiva da instituição
No Lar, o esporte é desenvolvido desde 1999, e hoje é a principal atividade esportiva da instituição   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

Agilidade, preparo físico, boa percepção e a consciência que é possível ter uma vida autônoma. Mais do que um esporte, o goalball é um incentivo para que famílias e atletas acreditem que o deficiente visual pode e deve ter uma vida independente. É o que provam as histórias que nasceram na quadra do Lar das Moças Cegas (LMC), em Santos, entre defesas e lançamentos. 


O goalball não surgiu como esporte, apesar de hoje ser uma modalidade paralímpica. Foi inventado em 1946 com a finalidade de servir como terapia para a reabilitação de soldados que haviam perdido a visão durante a Segunda Guerra Mundial.  


No Lar, ele é desenvolvido desde 1999, transformando-se no carro-chefe das atividades esportivas da instituição. Atualmente, acontece em parceria com o Santos Futebol Clube. O time ajuda com os uniformes e treina na quadra do LMC – única oficial da região.  


O jogo baseia-se na percepção auditiva dos jogadores para a identificar a trajetória da bola. Todos devem atuar vendados para que os diferentes níveis de deficiência visual não garantam vantagens. O objetivo é que cada equipe faça com que a bola siga rasteira e ultrapasse o gol adversário. Ganha a partida o time que, ao final do tempo, obtiver o maior número de gols.  


“O goalball traz os benefícios de uma atividade física e, além disso, é ótimo para eles porque ajuda na socialização e, em especial, na autoestima”, revela um dos técnicos dos times do LMC, José Mauro Neri.  


Grasiele pouco falava e mudou o comportamento ao praticar o esporte
Grasiele pouco falava e mudou o comportamento ao praticar o esporte   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

Na prática 


Neste quesito, Grasiele Goes Neres sabe que é exemplo. “Eu quase não falava. Era muito tímida. Mas o goalball me ajudou a interagir mais, conversar e ter autoconfiança”.  


Ela deu os primeiros passos no esporte durante as aulas de iniciação na modalidade, nas quais os técnicos não visam os atletas de competição, e sim as pessoas com deficiência que precisam de momentos de lazer, prática de exercício físico e desenvolvimento da autonomia.  


Hoje, no entanto, Grasi já participa de competições com a equipe e tem como o próximo desafio o Campeonato Brasileiro de Goalball, a ser disputado em São Paulo, entre os próximos dias 9 e 13. 


Esporte muda destinos e forma casais 


Quando Kaôla nasceu, a mãe Fátima Maria Pires da Silva teve dúvidas sobre como seria criar a menina. A única certeza era a de que a deficiência visual da filha não a prenderia em casa. “Na minha infância, as pessoas com deficiência ficavam trancadas em casa e eu não queria isso”.  


Ir para o Lar das Moças Cegas foi importante para a menina, mas o goalball foi determinante. “Até então, eu fazia tudo em casa, mas não saia sozinha na rua”, conta Kaôla, hoje com 25 anos. No entanto, os treinos eram à noite, em um horário complicado para mãe buscá-la. Ali, a família decidiu que estava na hora de Kaôla andar sozinha.  


“Eu já tinha tido aulas sobre mobilidade, mas a oportunidade realmente de andar sozinha só veio com o goalball. Hoje, eu trabalho, faço curso e cuido dos meus dois filhos. E sigo no goalball, que é minha paixão”.  


Kaôla (à esquerda) passou andar sozinha na rua, para alegria da mãe Fátima
Kaôla (à esquerda) passou andar sozinha na rua, para alegria da mãe Fátima   Foto: à esquerda

Ferramenta 


Para o técnico José Mauro Neri, essas histórias são a prova de que o goalball é uma ferramenta importante tanto para a saúde como para a inclusão e desenvolvimento social. “Os alunos se redescobrem”.  


E o quanto isso significa? Tudo, resume Julio César de Souza Lima, pai de Marcio Vinícius Silva, de 17 anos, convocado pela Seleção Paulista para as Paralimpíadas Escolares. “O desenvolvimento dele com o goalball foi muito bom”. 


Amor no ar 


Nem só de superação, suor e competição são feitas as histórias do goalball no Lar das Moças Cegas. Tem muito amor envolvido. “Alguns casais se conheceram aqui e tem relacionamento que vira casamento. Vou até ser padrinho”, conta, entre risos, o técnico Mauro.  


Foi sob as bênçãos do goalball, por exemplo, que Ísis Áurea da Silva, 38, e Luiz Simonal Nascimento, 44, se casaram.  


"Ele fazia parte da equipe de goalball e eu praticava natação. Ele me fez mudar de esporte e aí engatamos de vez o relacionamento”, conta Ísis. Já para ele, ter uma companhia nas resenhas pós-partidas é algo importante. 


Ísis saiu da natação para fazer goalball com Luiz e ganhou um marido
Ísis saiu da natação para fazer goalball com Luiz e ganhou um marido   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

Perfil 


Projeto Goalball 


O que é? 


O projeto Goalball é o carro-chefe das atividades esportivas do LMC. Desde 1999, é trabalhado como ferramenta de inclusão, promovendo a socialização e fortalecendo conceitos de resultado em grupo e superação de adversidades 


Onde é? 


O Lar das Moças Cegas fica na Avenida Ana Costa, 198. O telefone é (13) 3226-2760 


Intercâmbio com atletas de ponta é um diferencial 


Tamanho específico e linhas em relevo. Assim como em outros esportes, a quadra do goalball tem suas especificações. No LMC, ela possui as medidas oficiais, mas quem treina ali vai além disso. A parceria com o Santos proporciona intercâmbio de atletas e a oportunidade de treinar com nomes de destaque do esporte. 


Prova disso são Romário Marques, Alex Melo e Leomon Moreno da Silva – este último considerado o maior talento da modalidade do País. Os três, que retornaram de Lima, no Peru, com o ouro para o Brasil nos Jogos Parapan-Americanos, sempre estão no LMC. 


“O goalball representa as realizações da minha vida. Elas vieram por meio do esporte”, garante Leomon. 


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