Entendimento, uma solução emergencial

Para resolver divergências entre os entes envolvidos na questão dos licenciamentos, a solução passa pelo diálogo franco e propositivo

Por: Da Redação  -  02/11/20  -  00:51
Reserva ambiental da Jureia, no Litoral Sul: exemplo de zelo pelo ecossistema
Reserva ambiental da Jureia, no Litoral Sul: exemplo de zelo pelo ecossistema   Foto: Alberto Marques

A obtenção de licenças ambientais, no Brasil, é um exercício de paciência para quem deseja montar um empreendimento. O tempo que se espera e um labirinto burocrático, nem sempre tão claro, ajuda a desestimular possíveis investidores. Pois desatar o nó que envolve esta questão, em meio ao descompasso entre alguns atores do processo, é desafio perene – e que pede uma solução o quanto antes. No jogo atual, ninguém sai vencedor. 


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Essa é uma das conclusões de mais uma edição do projeto A Região em Pauta, promovido pelo Grupo Tribuna e que teve uma live na última terça-feira, disponível no Facebook


Mediado pela editora-chefe Arminda Augusto, o encontro contou com a participação de pessoas envolvidas diretamente no tema. Este caderno busca ampliar a discussão, trazendo novos elementos.
Fundador e diretor da CPEA (Consultoria, Planejamento e Estudos Ambientais), o engenheiro agrônomo Sérgio Pompeia é bem enfático: para ele, sem diálogo, não há avanço possível entre os envolvidos na questão dos licenciamentos ambientais.Segundo estimativa do relator do projeto de lei sobre Licenciamento Ambiental (PL 3729/04), o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) , atualmente, existem cerca de 27 mil normas que percorrem o tema. Por isso, a necessidade de desburocratização, amparada num diálogo franco, é a melhor alternativa. 


“A gente precisa começar a entender que todos nós estamos prestando serviço para uma mesma sociedade, que é plural, contraditória, e que tem seus problemas. É inadmissível imaginar que um processo de licenciamento leve 14, 15 anos. Como cidadão, é fácil analisar: algo está errado. Demorar todo este tempo é resultado de conflitos que vão surgindo e que podiam ser perfeitamente resolvidos dentro do entendimento, da explicação, da conversa”, argumenta.


Ele reforça que a Baixada Santista possui elementos para se mostrar atraente a possíveis investidores, especialmente de ordem natural e de natureza econômica. 


“A região reúne, de um lado, um excelente remanescente Mata Atlântica, áreas de manguezal, de restinga, toda uma área marinha importante. Do outro lado, abriga o maior porto da América Latina, um Pólo Industrial muito significativo. Por si só, estes cenários, tanto na linha de preservação como na linha de desenvolvimento, têm um palco para exercitar essa dura missão de fazer com que as coisas se deem dentro de parâmetros de sustentabilidade, de garantia de qualidade ambiental. Esse é o objetivo final”.


Abertas ao diálogo


Representantes do Ministério Público e da Cetesb, a promotora do Gaema ( Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente), Flávia Gonçalves, e a advogada Fernanda Tanure, respectivamente, concordam que a interlocução eficiente só traz benefícios. 


“A Cetesb tem chamado os empreendedores, temos consultores para tirar todo tipo de dúvida, conversar sobre o caso, para, então, ter a formalização de um projeto mais pronto. Justamente para não ter toda esta discussão no âmbito de um processo que tem suas formalidades”, diz a gerente do Departamento Jurídico da companhia, citando o programa De Portas Abertas do órgão. “Quando chega um projeto dentro de todos os índices, todos os parâmetros, a análise técnica é muito mais célere. O que não significa que vai ser imediata: porque sempre tem algum tipo de ajuste técnico para fazer, porque é muito dinâmico”.


Flávia Gonçalves, por sua vez, também destaca que o MP está aberto para o diálogo, mas sem abrir mão da força da lei. “Não é porque “brigamos” por uma defesa técnica ou jurídica sobre a interpretação de uma norma, por exemplo, que não estamos abertos a um diálogo, algum entendimento ou reconhecer que houve um excesso ou uma interpretação muito exagerada em determinado ponto. Isso não é verdade. Inclusive para quem não conhece: as portas do meu gabinete foram abertas para atender A, B ou C. Agora, uma coisa precisa ficar muito clara: o MP não pode agir contra, às vezes, o texto expresso de lei. Existem coisas quer poderão ser feitas num acordo, e outras não”. 


Parceria, sim. Mas nada de interferência


Embora ambas as instâncias preguem o entendimento, Cetesb e Ministério Público, com seus corpos técnicos próprios, diferem, muitas vezes, sobre questões levantadas em processos de licenciamento ambiental. Por conta disso, a participação do MP no rito de licenciamento ambiental é visto com desconfiança por um órgão licenciador como a Cetesb.


“A Cetesb é responsável por aquele processo, nossos técnicos têm responsabilidade técnica na missão das licenças ambientais em geral. Mas cada um tem sua autonomia no processo em si. A gente não tem algum tipo de previsão de interferência do Ministério Público especialmente no licenciamento, em que pese as recomendações”, diz Fernanda Tanure.


Ela lembra que o MP exerce o que chama de “checagem” do trabalho da Cetesb, por meio d o instrumento do Inquérito Civil de Acompanhamento de Licenciamento. “A gente entende que não é o melhor caminho, uma vez que a Cetesb tem essa autonomia técnica para avaliar, é o órgão competente para isso. Então, acho que o MP pode, sim, somar, mas não dentro do processo de licenciamento. Não é nem produtivo agregar mais atores no caminho do processo”.


Flávia Gonçalves, do Gaema, por sua vez, defende ao olhar do corpo técnico do MP. “A gente não quer criar regra, mas existem certas situações que ficam muito evidentes. Aí, o próprio MP, por ser fiscal da lei, cometeria uma incongruência concordar com certas situações do ponto de vista jurídico e técnico”, sintetiza. 


MPE x MPF


A promotora ainda reconhece uma ingrediente extra no imbróglio burocrático dos licenciamentos: divergências entre diferentes instâncias do Ministério Público, o Federal e o Estadual. Para ela, a possibilidade de que isso ocorra deve ser antevista pelo empreendedor. 


“Como os dois Ministérios Públicos podem atuar na área ambiental, é muito comum um mesmo fato. Tem a investigação do MPE e a do MPF. Quando o MPF instaura um inquérito, ele deve comunicar o MPE de que está investigando aquele caso – e a recíproca também é verdadeira”, cita. 


“É um risco. Agora, a gente sempre recomenda a um empreendedor que vai sentar à mesa com o MPF e vai fazer um acordo, e tem um inquérito no MPE, é papel dele também, de uma certa forma, tentar conciliar a solução disso nas duas esferas. Porque senão, ele pode fazer acordo e o outro órgão acabar questionando aspectos que entende que não foram satisfeitos”, complementa. 


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