Xico Sá fala da paixão pelo Santos e relembra noite de loucura em 1995

Escritor, ele conta como virou torcedor do Peixe e recorda alegrias e tristezas vividas em razão do Alvinegro

Por: Bruno Lima  -  15/06/20  -  12:18
Xico Sá não se empolga, mas define início de Jesualdo no Santos como satisfatório
Xico Sá não se empolga, mas define início de Jesualdo no Santos como satisfatório   Foto: Reprodução

Nascido em Santana do Cariri, interior do Ceará, Xico Sá é jornalista, escritor, autor de vários livros e torcedor fanático do Santos. Enquanto divulga 'A Pátria em Sandálias da Humildade', sua mais recente obra literária que traz crônicas sobre futebol, ele falou com A Tribuna sobre o amor pelo Peixe e as alegrias e frustrações vividas em razão do time da Vila Belmiro desde os 5 anos de idade.

Qual a sua primeira lembrança como torcedor do Santos?
Foi com uns 5 anos, quando comecei a ouvir aquele zum zum zum dos meus primos mais velhos e vizinhos no vilarejo em que morava, chamado Sítio das Cobras, em Santana do Cariri, no Ceará. O Santos era o time dos anos 60 não só do Brasil, mas no mundo. A comunidade lá só falava do Santos, de Pelé e daqueles jogadores todos. Então, fui acompanhando os jogos pelo rádio quando os mais velhos ligavam. A partir dos 6 ou 7 anos, eu mesmo já tratava de ligar o rádio para ouvir os jogos. Além disso, nasci em 1962. Ou seja, já nasci campeão do mundo. Difícil escolher outro time diante disso (risos). 

Não teve pressão de familiares para torcer por outros times?
Quando criança eu vinha para São Paulo com a minha mãe e tinha um tio corintiano, o Tio Alberto, falecido há seis anos, que tentou de tudo para me fazer corintiano. Uma vez me levou ao Pacaembu para assistir a um Santos e Corinthians. Mas naquela época não dava para o Corinthians. Se me levasse em outros 40 Santos e Corinthians, ele ia perder todos.

E em Santana do Cariri cresceram outros santistas ou você foi um caso isolado?
Muitos como eu foram no embalo dessa fase do Santos do Pelé. A TV na época não existia como força do futebol. Era o rádio que se dividia entre os jogos do Rio de Janeiro e de São Paulo. E lá já escutávamos muito as rádios de São Paulo, porque havia idas e vindas muito grandes de pessoas daquela região para São Paulo. Nos anos 70 essa admiração pelo Santos se consolida ainda mais entre os garotos lá, também por conta da Copa do Mundo do México, que a Seleção Brasileira venceu e tinha Pelé e Clodoaldo. 

E como anda essa legião de santistas em Santana do Cariri?
Da velha guarda que me fez torcedor do Santos na infância, os que ainda não morreram continuam santistas roxos. Sempre tenho contato com eles. Até porque aquilo que já foi a maioria em relação a torcedores deu uma caída por lá (risos). Ainda somos fortes no Brasil inteiro, mas naquela época não tinha nem para o Flamengo. Quando chego lá sempre comemoramos, porque somos a resistência. Comemoramos também a renovação que ocorreu, pois muitos meninos se apaixonaram pelo Santos por conta do Diego e Robinho e, mais recentemente, pelo Neymar. 

Por estar muito distante do Santos na infância, criou carinho por algum time do nordeste brasileiro?
O Icasa, de Juazeiro do Norte, cidade vizinha ao local em que nasci, entrou no Campeonato Cearense no final dos anos 70 e era a oportunidade que tinha de frequentar estádios. Então, fui simpatizante do Icasa. Depois, morei em Recife e fiquei simpatizante do Sport. Mas zero dúvida, a minha paixão no futebol é o Santos. 

Ainda tem o hábito de ir ao estádio acompanhar o Santos?
Sim! Em São Paulo quase não perco um jogo. Acontece de não ir em um ou outro, mas estou sempre presente. Incluindo as perdas de títulos para o Ituano, no Pacaembu, naquela desgraça que aconteceu em 2011 (risos), e a roubalheira de 1995 contra o Botafogo. Na Vila Belmiro, vou pelo menos uma vez por mês. Casei com uma torcedora do Santos, tenho um enteado, Theo, que é santista, e uma filha, a Irene, de 3 anos, que já tratei de fazer santista. Levo ela sempre aos jogos para não deixar morrer esse amor. Não perco nenhuma oportunidade de fazer um novo torcedor do Santos.


  Foto: Instagram/Reprodução

Ainda passa nervoso nas arquibancadas?
Não passo muito, não. Eu gosto muito desse negócio do Santos de sempre apresentar uma novidade ou um novo garoto. Acho delicioso ir na partida que vai marcar a estreia de uma nova joia. Considero essas como partidas que não se pode perder. Fiz isso com Diego, Robinho, Neymar e Rodrygo. Isso acho um luxo do torcedor do Santos e não costumo perder. Na minha opinião, é essencial para a ideia de ser santista nos anos 2000. Só acompanhar o time numa campanha que vai terminar em título é muito óbvio. O legal é participar de outras histórias gigantes do Santos. Ainda mais hoje em dia, que se perde essa molecada muito rápido. 



Qual o jogo mais marcante que acompanhou na Vila Belmiro?
São dois, e ambos contra o Flamengo: o 4 a 0, na última rodada do Campeonato Brasileiro do ano passado, e aquela derrota por 5 a 4, em 2011, em que o Neymar marcou o gol do prêmio Puskas.

Quem é o seu maior ídolo como jogador do Santos?
Pelé nem conta, né?! Fica uma coisa à parte (risos). Tem alguns. Um cara de que eu gosto desde o primeiro momento como torcedor é o Edu. Os olhos ainda estavam voltados para o Pelé, mas quando comecei a ver em imagens algumas jogadas do Edu, que chegavam no cinema do interior e, tempos depois, no Canal 100, foi um grande encanto. O Pepe, com quem tenho uma relação maravilhosa, é outro. Nunca me imaginei, quando menino lá no Ceará torcendo pelo Santos, um dia encontrar o Pepe tomando uma cerveja e poder dar-lhe um abraço e conversar sobre memórias do Santos. Esse é um encontro muito rico na minha memória de torcedor. O Juary também foi marcante naquela ideia inicial de Meninos da Vila, e não posso negar o meu amor pelo Serginho Chulapa. Tenho um carinho imenso por ele, que já pegou muito abacaxi de levar o Santos para dentro de campo como técnico interino com o time que tinha à disposição, com ou sem salário. E sempre encarou. É um cara que merece respeito.

O título mais especial?
A Libertadores de 2011. Quando aconteceram as duas, eu tinha acabado de nascer. Ter essa chance de ver de perto a campanha inteira. Mas, mais do que isso, para pôr fim no sarro que faziam em relação a viuvez do Pelé. Sempre que eu falava que era bi da Libertadores, os outros torcedores respondiam que eu nem era nascido. Então, para acabar com isso, o tricampeonato foi o mais especial. 

Essa foi a maior alegria que o Santos te proporcionou?
Difícil medir, porque muitas vezes me vi muito feliz com uma vitória contra o Corinthians pelo Campeonato Paulista, por exemplo. Tem vitórias simples, tomando uma cerveja mais emocionada, que vale mais do que um título. Mas o dia em que fiquei mais louco de felicidade foi o 5 a 2 no Fluminense, na semifinal do Brasileiro de 95. 


  Foto: Reprodução/Instagram

Cometeu loucura aquele dia?
Depois daquele jogo só voltei para casa depois de 48 horas. Era o tempo mínimo para passar toda cachaça que tomei. Começamos ali no entorno do estádio, fui parar na Rua Augusta e perdi o rumo. Para voltar pra casa com alguma decência precisei de dois dias. 

E qual foi maior a frustração causada pelo Santos?
Aí entramos em um terreno muito fértil (risos). Mas são duas as derrotas que mais me doeram. Uma, que podia ter me dado um infarte, foi aquela semifinal do Paulista em 2001, contra o Corinthians, com gol do Ricardinho nos acréscimos. Aquilo foi para matar do coração. E a outra foi aquela em 1996 que o Marcelinho Carioca fez um golaço na Vila Belmiro, dando um chapéu no Ronaldo. Eu nem lembro quanto foi aquela partida (2 a 2 pelo Campeonato Paulista), mas acho que por conta daquele maldito gol fiquei muito bravo. 


Além da sua filha, já conseguiu influenciar outras pessoas a torcerem pelo Santos?
Sim. Principalmente menina, mulher que diz ser simpática por um time, mas não é torcedora de verdade. Nessa categoria já virei voto. Além de ter feito uma santista, que é minha filha Irene, também convenci primos mais novos no Ceará, mesmo com esse flamenguismo imperando. Sempre que apareço por lá levo uma lembrancinha do Peixe disfarçada de presente. Pra mim, isso é campanha permanente e tenho conseguido alguns torcedores. Acho importante. Sempre aplico um discurso histórico. O Mano Brown tem essa preocupação de formar novos torcedores e acho muito bacana. 

Existe explicação para um mesmo clube revelar Pelé, Robinho, Neymar e outros gênios?
Tem a teoria dos raios e tal, mas não existe explicação. Eu não tenho dúvidas de que Deus é santista. Deus e Nossa Senhora de Guadalupe. E o mais maluco nisso tudo é que depois do título paulista de 1984 veio um período em que o Santos começou a entrar em uns perrengues, anos sem conquistas e os outros torcedores começam com mil teorias. Só não falam que o Santos vai acabar porque ninguém comete esse abuso na minha frente (risos). Mas dizem que vai virar time pequeno. Porém, quando menos se espera vem um safra de guris e bota para quebrar. Fora a questão divina, tem a cultura. Muitos garotos sabem que na Vila vem coisa forte e que são bem observados. Mesmo com alguns períodos de bagunça no clube existe a cultura de formar novos jogadores. O pessoal da velha guarda que está sempre por lá é importante. Fico imaginando a cabeça de um guri olhando para o banco de reservas sabendo que aquele treinador é a pessoa de quem o pai sempre falou como jogador. Isso é espetacular. Acho também que o fato de saber que o Santos revela pesa na cabeça dos pais na hora escolher entre um time e outro.


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