Pedra no sapato de Medina, Caio Ibelli revela perrengues e exalta conquistas no Tour de 2019

Surfista de Guarujá sofreu uma fratura no pé direito em 2018. Na última temporada, ele deu a volta por cima no Circuito Mundial

Por: Nathalia Perez & De A Tribuna On-line &  -  09/01/20  -  11:35
Caio Ibelli fala sobre sua temporada de 2019 no Circuito Mundial de Surfe
Caio Ibelli fala sobre sua temporada de 2019 no Circuito Mundial de Surfe   Foto: Ryan Janssens/WSL

Caio Ibelli prometeu contornar o período difícil que viveu em 2018, ano em que fraturou seu pé direito, lesão que o deixou fora de grande parte das etapas do Circuito Mundial de Surfe. O guarujaense também teve que lidar com a perda de seu patrocinador principal e a decisão inesperada da World Surf League (WSL) de que uma das vagas de "injury wildcard" não seria mais sua em 2019. "As coisas vão fluir para mim depois dessa turbulência", disse o atleta. E, de fato, a temporada passada foi de superação.


Único brasileiro classificado à semifinal em Margaret River, na Austrália, etapa em que terminou em terceiro lugar. Uma das melhores performances do Tahiti ProTeahupo'o, com três notas acima de 9, embora tenha ficado com a quinta colocação. E o maior oponente do bicampeão mundial Gabriel Medina, que lutou até o fim pelo título com Ítalo Ferreira, mas foi assombrado mesmo por Caio Ibelli em Pipeline e em Portugal.


Em conversa com A Tribuna On-Line, o surfista de Guarujá, eleito 'Rookie of the Year' em 2016 e um dos principais surfistas brasileiros no cenário mundial, relembrou os perrengues de ter viajado sozinho, sem apoio de técnico e de nenhuma equipe, nas etapas do Tour que disputou no ano passado. Além disso, o atleta fez um balanço de sua temporada, considerada satisfatória por ele.


Confira a entrevista completa com Caio Ibelli:


Primeiro de tudo, eu queria que você fizesse um balanço da sua campanha no Tour de 2019. Você considera que foi uma temporada de volta por cima?


C: Em geral, foi um ano de superação para mim. Eu não consegui um patrocinador principal. Porém, eu tive grandes desafios cumpridos durante o ano. Um deles eu não tinha controle sobre, que era minha classificação pelo WT, pelo fato de não saber se eu iria conseguir entrar em todas as etapas. Então, primeiro me garanti nas quatro primeiras etapas, que foi meu primeiro desafio. Consegui ficar em terceiro em uma e subi no ranking legal. E depois disso, eu consegui mais etapas, onde conquistei um quinto lugar no Taiti. Fechei no Havaí em nono e terceiro em Portugal. A combinação desses resultados, para mim, foi um dos meus melhores anos no WT. Não só resultado, mas também provar não só pra WSL, pros juizes, mas provar pra eu mesmo que sou capaz. Parecia que eu estava nadando contra a corrente. Foi um ano bem difícil de conseguir botar a cabeça no lugar e me planejar onde eu vou estar no seguinte mês. Será que eu vou competir a próxima etapa ou não? Então, o que eu poderia fazer era estar presente em qual evento eu estava e fazer o meu melhor. Graças a Deus, tudo deu certo e eu consegui a classificação pelo WT depois de todo esse drama que aconteceu em 2018.


Você relembrou o seu terceiro lugar em Margaret River e a atuação no Taiti. Qual das duas etapas foi a mais importante para você?


C: O meu maior desafio no ano era o Taiti. Era uma onda que eu não tinha muita experiência, nunca tive bons resultados, eu estava no WQS em Huntington Beach, na Califórnia. Duas semanas antes do campeonato, eu pensei eu ir para lá experimentar as ondas e treinar. Cheguei lá, estava apavorado. A onda era muito grande e muito pesada. Fiquei uma semana treinando e depois voltei pro campeonato. Logo no campeonato, teve um Swell (ondas formadas dentro de zonas de geração) tão grande quanto. Todos estavam apavorados e nessa semana eu já estava muito mais calmo, já sabia o que fazer. Então, veio a hora de mostrar tudo que treinei no Taiti. Em questão pessoal, o Taiti foi o mais gratificante. Mesmo ficando em quinto. Não foi meu melhor resultado do ano, mas foi minha melhor performance do na temporada. Fiz três ou cinco 9. Foi o resultado de um trabalho duro. 2019, sem patrocinador principal, teve muito desafio.


O que você fez na temporada que passou te deixa confiante para 2020?


C: Eu viajei e fiz tudo sozinho, sem nenhuma equipe, sem ninguém pra me ajudar. Carreguei minhas malas sozinho em todos os aeroportos. Ninguém me ajudou a fazer as passagens, ninguém me ajudava a carregar minhas pranchas na praia. Não tinha nenhum técnico, ninguém pra me ajudar. Então, isso prova pra eu mesmo que se consegui fazer isso sozinho, quando eu tiver uma equipe e alguém para me ajudar pode ainda melhorar. Acredito que nesse ano eu vou ter a oportunidade de talvez levar meu amigo ou talvez levar um técnico pra me ajudar. Então, eu to muito confiante que esse possa ser o melhor ano da minha carreira.


O Tour começa em março, na Austrália. Até lá, como está sua agenda no surfe? Tem algo programado?


C: Agora, de 20 de dezembro até a primeira semana de fevereiro, to de férias. Acho que nunca tirei férias na minha vida. Foi um ano mentalmente bem difícil. Muitas mudanças na minha vida, patrocinador, muita coisa acontecendo. Eu acho que eu precisava desse um mês e meio de férias sem pensar muito onde eu vou surfar, se vai ter onda ou não. Então, em fevereiro eu volto aos treinos. Na primeira semana de março eu vou pra Austrália, onde tem as primeiras etapas do WQS, e vamos começar na Gold Coast de novo. Vai ser um ano muito bom. Acho que a WSL fez um ótimo trabalho em colocar novas etapas no Tour esse ano, e uma delas vai ser em G-Land, na Indonésia, onde faz 20 ou 30 anos que não tem campeonato. Nunca fui lá, mas vou treinar antes do campeonato. É uma etapa que vai ser muito especial.


Neste tempo que você está de férias, visitou seu grafite no Mural dos Campeões do Surf na praia das Astúrias, em Guarujá. Você ainda não tinha visto?


C: Não tinha visto ainda o mural. O Wilis Graffiti e a Leila Cavalcante são os responsáveis pelo mural. Eles me mandaram uma foto. Foi gratificante ver o tamanho. Acho que quando você vê uma foto, não dá pra você ter uma noção de como é o mural, o muro em si. O muro não é reto, não é perfeito. Tem buraco, tem um monte de imperfeição, mas, mesmo assim, quando você vê de longe, é como se fosse uma foto. Então, foi um presente muito grande. Ainda mais agora no verão, cidade lotada. Foi um presente muito especial que o Wilis fez pra nós surfistas. Eu, Rodrigo Koxa, Adriano Mineirinho, Luiz Diniz e a Juliana Meneghel. Não tem nada melhor do que ser reconhecido na nossa própria cidade.


A temporada de 2019 foi de disputas acaloradas entre você e o Medina.Teve aquela bateria polêmica em Portugal e depois ele te rabeou na sua melhor onda em Pipeline. Foram duas baterias que dividiram opiniões. Como você encara isso? Acha positivo para sua carreira competir de igual para igual com um cara que é bicampeão mundial?


C: O Medina é um surfista que faz eu querer evoluir. Ele me faz querer ser um surfista melhor, me faz pensar fora da maneira que todo mundo pensa. Toda vez que eu to na água contra ele, é um aprendizado. Ele é aquele cara que é o melhor do mundo. É aquele cara que é difícil de ser batido. E, por algum motivo, eu sou o cara que consegue entrar debaixo da pele dele, incomodar ele na água. Isso é visível. Eu tento tirar todas as vantagens disso. Tanto é que nas nossas duas baterias foram polêmicas. Em Pipeline, ele é um cara que sempre faz 16, 18, e os scores da bateria foram bem baixos. Isso prova que a gente tava ali batalhando pra sobreviver. Eu adoro competir contra ele. Gosto mais de ganhar. Quero ter mais baterias como a de Margaret contra ele e vencer. Com certeza, ele é um cara muito difícil de vencer. Ele nunca erra. Nessas duas baterias que tive contra ele, mostrou que eu consigo dar umas alfinetadas nele na água, deixar ele desconfortável. É quase que uma luta quando você ta dentro da água. O surfe também pode ser um jogo, e você incomoda seu oponente, ele começa a ceder e você vence a bateria. Ele faz isso com todo mundo, e ninguém consegue fazer com ele. Tento tirar todas as oportunidades que tenho pra entrar no jogo dele e fazer ele sentir minha presença na água.


Você faria a mesmo que ele, a interferência em Pipe, com outro adversário?


C: Eu não faria o que ele fez e nunca nem pensei que isso fosse possível. O que ele fez em Pipeline, ele jogou dentro da regra, ele sabia da regra. Quem mandou ele fazer aquilo, foi o padastro, na areia. Eu consegui ouvir ele falando pra ele entrar na minha onda, só que eu não estava entendendo porque eu nunca vi essa técnica antes. Mas ele fez o que tinha que fazer pra vencer. Eu nunca vi, por isso, nem consegui me preparar. Se eu usasse essa mesma técnica que ele usou na minha bateria, eu teria vencido, porque eu ia bloquear o 4 dele, e ter pego a última onda e ter feito 2. Eu acho que, no final das contas, foi uma atitude meio anti-esportiva e acho que isso causou muita polêmica no mundo do surfe, não só pros gringos, mas também a brasileirada que gosta e acompanha o surfe e questionou a atitude. Mas é isso. Tem que fazer o que tem que fazer pra ganhar. Ele fez isso e serve de lição. Mas acho que a WSL vai mudar as regras por conta disso, pra ter uma punição se acontecer isso.


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