Quase 1/3 do eleitorado da Baixada Santista tem escolaridade baixa

Em Guarujá, 38,01% dos eleitores aptos estão no estrato compreendido entre os analfabetos

Por: Ronaldo Abreu Vaio & Da Redação &  -  12/10/20  -  22:06
  Foto: Rogério Soares/AT

Quatrocentos metros separam Santos e Guarujá pelo Canal do Estuário. Mas, quando se trata da escolaridade do eleitorado, há um abismo de distância. Em Guarujá, 38,01% dos eleitores aptos estão no estrato compreendido entre os analfabetos, os que sabem ler e escrever ou aqueles com Ensino Fundamental incompleto. Em Santos, esse contingente reúne 16,61% do eleitorado. Os dados estão no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 


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As duas cidades representam os extremos do espectro da baixa escolaridade dos eleitores na região. Os demais municípios estão compreendidos nessa faixa, orbitando as médias estadual (27,27%) e nacional (36,44%) para esse recorte. Atualmente, a média da Baixada Santista fica em 29,4%. 
"O eleitor santista tem escolaridade e idade média mais altas que o eleitor de Guarujá. Tudo isso faz com que ele seja mais crítico”, avalia o cientista político Marcelo Di Giuseppe.

Como escolaridade baixa comumente se traduz em renda menor, o eleitor nesse estrato tende a estar em frágil situação socioeconômica. Com percentuais expressivos, esse espectro dos votantes pode definir uma eleição. Nesse cenário, para alcançar esse público, como deve se delinear uma campanha política? Ao contrário do que se acredita, ela deve passar longe da internet.


“(Na pandemia) o governo foi dar aulas a distância e descobriu que 25% das pessoas não têm acesso à internet ou eletrônicos. Transfira isso para o eleitorado, temos aí um dado importante”, avalia Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP). 


“O candidato fica em frente a uma câmera, grava um vídeo, posta nas redes sociais e acha que tá falando com todo mundo (...) A maior parte do eleitor que está ali tem do Ensino Médio para cima”, concorda Di Giuseppe. 


Tudo pago


O fenômeno das campanhas eleitorais migrando para a internet, especialmente às redes sociais, começou nos Estados Unidos. Chegou ao Brasil na onda dos deslumbramentos, de copiar sem questionar, ignorando a realidade brasileira. 

“Nos Estados Unidos, os candidatos foram para a internet porque não há horário eleitoral gratuito e o espaço em rádio e televisão é pago, ao contrário do Brasil. Obama foi para a internet mais para arrecadar fundos para a rádio e tevê”, afirma Manhanelli. 


Até o fenômeno eleitoral Jair Bolsonaro, creditado à internet, teria uma explicação mais profunda. Di Giuseppe conta que, em abril de 2013, antes das manifestações de junho, houve uma pesquisa sobre o Governo Dilma. A avaliação positiva beirava os 70%. Mas havia duas perguntas reveladoras: “como está o mandato em relação ao último ano de Lula?” e “como você vê a vida em cinco anos: melhor ou pior?”. Para ambas, a resposta foi pior. 


“É como se você perguntasse ‘o casamento vai bem?’ e a resposta fosse ‘sim’. Mas se você pergunta se a situação está melhor hoje ou na época da faculdade, a pessoa responde ‘na faculdade’. Veja: basta aparecer alguém para o cônjuge ir embora”. 


Bolsonaro era a pessoa certa, na hora certa, com o discurso certo. “Ele começou a andar pelo País ainda em 2014, com o discurso que as pessoas queriam ouvir”, enfatiza Di Giuseppe. Ou seja, o papel das redes sociais no fenômeno Bolsonaro se resume à comunicação direta, sem intermediários, com o eleitor já previamente convertido pelo olho no olho.


Pesquisa


Com a internet fora do jogo, além do rádio e da tevê, a campanha para atingir esse eleitorado inclui panfletagem, impressos em caixa de correio, adesivo no carro e gastar muita sola de sapato. “Há (no caso de Santos e Guarujá) aquela história de que o governo só protege a orla. Tem que ir nos locais, pegar na mão, ouvir as demandas”, diz Di Giuseppe.


Essa parte do eleitorado é a que mais utiliza os serviços públicos de saúde e educação, é a que fica primeiro desempregada e a que, no caso regional, mais convive com enchentes. “É preciso entender as prioridades”.


Entender as prioridades é crucial para afinar o discurso. Para tanto, as pesquisas gosto e opinião são um trunfo poderoso. “É ciência, o exame de laboratório que vai indicar o caminho da campanha”, enfatiza Manhanelli. 


Origem da desigualdade está ligada ao crescimento


"Por que Paraisópolis é do lado do Morumbi?”, provoca Carlos Manhanelli, referindo-se à segunda maior favela da Capital e a um dos bairros mais abastados, convivendo lado a lado, para exemplificar a situação desigual em Guarujá. 


“Quem vai servir nas grandes mansões e condomínios de luxo? A mão de obra não qualificada, que custa muito caro na Europa e nos Estados Unidos, no Brasil é muito barata”. 


Em sua dissertação de mestrado Guarujá, Três Momentos de uma mesma História, a pedagoga e historiadora Ângela Vaz corrobora essa visão de um crescimento desenfreado na segunda metade do século 20, causado pelo que chama de ‘febre imobiliária’, entre os anos de 1950 e 1970.


“(...) Houve um grande afluxo de trabalhadores atraídos pela facilidade de colocação na construção civil. A migração, principalmente de nordestinos em busca de trabalho, fez com que o número de favelas, em regiões como encostas de morros, manguezais e áreas periféricas, aumentasse em demasia, o que ocasionou problemas ecológicos”, escreve Ângela. 


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