O desafio das campanhas eleitorais em meio à pandemia

A reportagem conversou com representantes de diferentes partidos em cinco cidades da Baixada Santista, a apresentaram o cenário causado pelo avanço da Covid-19

Por: Isabel Franson  -  14/11/20  -  10:40
Campanha mais curta e pandemia impuseram desafio para a corrida eleitoral na região
Campanha mais curta e pandemia impuseram desafio para a corrida eleitoral na região   Foto: Carlos Nogueira/AT

Refletindo diretamente as evoluções tecnológicas e sociais, as campanhas já prometiam mudanças significativas antes mesmo da pandemia. Com a Covid-19, que só na Baixada já passou dos 62 mil casos e 2,2 mil mortes, uma série de restrições atingiu os candidatos, como a redução de comícios presenciais, a possível indisposição do morador ao voto e o próprio tempo de campanha – que caiu para 45 dias.


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Diante disso, ATribuna.com.br conversou com representantes de partidos em cinco cidades para saber como encaram os impactos e de que maneira rearticularam suas tradicionais estratégias ao momento único.


Saudade das ruas


Em São Vicente, o responsável pelas finanças do Partido dos Trabalhadores (PT), Wilson Bezerra Barreto, lamenta a ausência nas ruas. “Claro que as mídias sociais têm sido de fundamental importância. Nos últimos anos, já eram realidade, mas com essa situação tornaram-se ainda mais expressivas. Infelizmente, no entanto, a gente sente muita falta do corpo a corpo, contato direto com a população. Pelo celular, chegam mensagens, demonstrações de apoio, carinho. Pena que não substitui”.


A expectativa do petista é emplacar o segundo turno, concentrando os olhares da população em menor número de candidatos. “São muitas chapas e isso acaba distraindo, principalmente por não estarmos andando tanto nas ruas. De qualquer forma, a gente se manifesta nas mídias e conta com os eleitores para chegar lá e oferecer esse governo que é do povo, formado e voltado a eles”.


Ampliando disparidades


Assessor do PSOL de Cubatão, Leandro Olimpio afirma que os candidatos menos conhecidos foram prejudicados na campanha deste ano, justamente por evitar aglomerações. “No nosso caso, por exemplo, optamos por uma estratégia mais discreta no que se refere ao contato ‘corpo a corpo’, até para preservar o próprio eleitor. Nossa articulação se deu na internet, não estamos mobilizando grupos ou, quando acontece, atuamos com menos intensidade, menor número de pessoas”.


Essa cautela, na visão de Olimpio, contrasta com os enormes orçamentos e visibilidades de outros grupos, provocando assim a diferença nas pesquisas. “De qualquer forma, estamos atualizando diariamente as redes e convidamos o eleitor a nos conhecer, assim como as propostas”.


Credibilidade x Fake News


O tucano Rafael Leal, coordenando sua terceira campanha seguida em Santos, lembra a desvantagem da internet: as Fake News. “Se a pandemia restringiu o presencial e levou o jogo para o virtual, precisamos reforçar também a facilidade de produzir notícias falsas. Por um lado, tenho mais espaço para difundir minhas propostas. Por outro, o concorrente tem para falar mal de mim. E o eleitor, bombardeado com tudo isso, muitas vezes fica sem saber como tirar a prova real, apurar os fatos”.


Na reta final, apostando ser este o momento de decisão do eleitorado, Rafael define a estratégia como abertura a conversa para sanar dúvidas e defender notícias verdadeiras. “Converse com o candidato, busque a imprensa, apure a credibilidade da mensagem. Esse ano foi corrido e não é possível estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Mas existe a TV, o rádio, o impresso, as redes”.


Consolidação das mudanças


Em Praia Grande, o consultor em Marketing Digital pelo Partido Liberal, Emerson Saraiva, encara a pandemia como a consolidação das mudanças no jogo eleitoral. “Há um tempo, o público já vem naquele sentimento de ‘Olha eles [os políticos] saindo da toca. Lá vem Fulano pedir voto’. E o momento atual só escancarou isso”.


Profissional de carreira em campanhas, Saraiva afirma que a chapa aposta na verdadeira face da candidata, recuperando feitos anteriores e apresentando novas propostas. “Que todos vão chegar ao eleitor pelas mídias, isso é fato. Mas a questão é ‘como chegar’. O que a pandemia fortaleceu foi o senso crítico, de pensar ‘qual é a cidade que queremos nessa circunstância de crise’ e ‘quem é a melhor opção para administrá-la’”.


Horário eleitoral ajudou


Na contramão às dificuldades enfrentadas nos demais municípios, Guarujá ganhou este ano horário eleitoral televisionado. Para Fabricio Henrique, presidente do PSB na cidade, o recurso tem sido proveitoso para atingir a população por mais um canal. “Os eleitores estão aderindo, se envolvendo. Não creio em abstenção muito grande por qualquer público, nem mesmo idoso. É um importante evento democrático e, aqui na cidade, percebemos engajamento”.


Dosar para não cansar


O advogado e professor universitário de Gestão Pública, Leandro Matsumoto, aposta nos próximos dez dias como oportunidade ao eleitor para consolidar sua opinião. “Iniciamos a discussão [política] bem mais tarde esse ano. Para alguns, não caiu a ficha ainda que em dois domingos será dia de votação. Agora é a última chance de pesquisar não só as propostas, mas a história das pessoas. O eleitor está cansado de tudo isso, dessa velha política, e evita ao máximo pensar no assunto. Já o candidato, tem de transmitir a mensagem de forma clara sem exagerar, para não reverter a uma antipatia”.


Segundo Matsumoto, em todas as cidades há uma grande parcela de indecisos ou mesmo quem cogita nomes, mas ainda não garantiu. “A pandemia deve gerar uma abstenção considerável. Por isso, os políticos contam com cada um dos votos. Fortaleçam seu número de urna, porque sempre tem aquele que esquece na hora”.


Pandemia não influencia


O cientista social e político do Instituto Ibespe, Marcelo di Giuseppe, não acredita numa influência da pandemia à opinião do eleitor. “‘O eleitor não vota no político, o eleitor vota em si mesmo’, é uma frase que costumo dizer. Educação, uma bandeira em alta devido a tudo que vivemos, não é uma prioridade – principalmente ao munícipe de classe média. Ele coloca os filhos na escola particular e está tudo bem. O que o eleitor quer é o mesmo de sempre: segurança, zeladoria, serviços e saúde”.


Outra discordância de Giuseppe é a respeito do não comparecimento. “Estamos perguntando nos municípios e, em nenhum deles, detectamos mais de 6% de intenção de abstenção. As pessoas pretendem, sim, votar”.


O advento das mídias sociais também é questionável, segundo ele, pela falta de direcionamento ao público correto. “Números recentes a nível nacional indicam que 74% dos brasileiros tem acesso à internet. Em outras palavras, 26% (uma em cada quatro pessoas) não tem. Dos 74% que tem internet em casa, 15% não estão nas mídias sociais. E, entre os restantes, mais de um terço declara aversão a campanhas online. Ou seja, o público que está na web e gosta desse conteúdo é muito pequeno”.


Para o cientista, voltar ao analógico ainda é a melhor estratégia. “Quantos e-mails você ignora por dia? Agora, vá até sua caixa de correio. À exceção de boletos, quem escreveu algo pra ti? Ninguém? Então é lá que eu tenho mais chance de chamar sua atenção. De fazer com que você se interesse e leia meu conteúdo, com maior probabilidade de lembrar das minhas propostas e número”.


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