Meu adeus ao Coutinho

Tive a honra e o desafio de ser seu editor. Aqui vou contar algumas passagens dessa convivência com o gênio da área, o Coutinho

Por: José Luiz Tahan  -  15/03/19  -  21:28

Adeus, Coutinho.


E o que não imaginava aconteceu, na última segunda, dia 11 de março. O Antonio Wilson Honório, mais conhecido como Coutinho, nos deu adeus. Digo não imaginava porque de tanto repetir a linha mágica do Santos do meio-campo pra frente, a linha mais citada da história, algo nela é imutável, inalterável. Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe nunca deixarão de jogar juntos, de assombrar defesas do mundo inteiro, de emocionar marmanjos que sofrem por outros times, assim como o que escreve essas mal traçadas, um santista de nascimento, e um são-paulino de criação e coração.


Tive o desafio e a honra de ser o único editor que publicou uma biografia do Coutinho. Devo o feito especialmente a duas figuras, além do biografado, é claro. O José Macia, o Canhão da Vila, Pepe, e o jornalista Carlos Fernando Schinner, Cacá para os chegados.


Um dia, estava eu ao telefone exatamente com o Coutinho, tentando marcar um primeiro papo para o futuro livro, quando o Pepe entra na livraria e editora Realejo.


Seguro o fone e peço pro Pepe me dar uma força. Na hora, ele pega o fone das minhas mãos e dispara: - Adão (Adão?), tudo bem? Sou eu, o Pepe. Sim, o Pouca Pena. Olha, só dizendo pra você que o Zé Luiz é do ramo, vem aqui na livraria quando puder, tem roda de choro, cerveja gelada, aparece aqui.


O Pepe gosta de café com leite clarinho, ou Coca Zero, já o Coutinho era da boemia. Era bonito ver a amizade entre eles.


Claro que o homem apareceu alguns dias depois, e aí entrou em cena o jornalista Cacá Fernando, que, por uma grande coincidência, era vizinho do nosso atacante, no bairro Marapé, em Santos.


Nos encontramos, e nas primeiras vezes havia um clima de retranca no ar, sabíamos que o Coutinho tinha suas manias, um jeito seu, livre e temperamental. Mas, também era de riso fácil, inteligente e sarcástico, de opiniões fortes e tiradas rápidas.


Nos entrosamos, e depois de um pouco mais de um ano, o livro saiu, em 2012.


Foram alguns belos eventos de lançamento. Na Vila Belmiro, o primeiro, cheio de fãs, e vizinho à sua residência, terminamos a noite no Bar do Alemão, em frente ao estádio e na companhia de outros boleiros. Vimos o gênio da área relembrar causos de uma forma simples, bonita.


Também tivemos com o Coutinho em muitos programas de TV, Programa do Jô, Bem Amigos, o Cartão Verde na TV Cultura e o programa do ex-craque Neto, na Band.


Fecho minhas lembranças exatamente com o Neto, que, ao fim do programa, que era ao vivo, mostra um vídeo do jogo do Santos naquela rodada do Campeonato Paulista, acho que um empate com o Lusa.


No último minuto do jogo, sobra uma bola limpa na entrada da área para o então atacante do Peixe, o Borges, lembram dele?


Pois ele emenda uma bomba que passou assoviando por cima do travessão e deve ter caído numa cidade vizinha.


Neto congela a imagem com as feições do Borges em estado de desalento.


E pergunta pro Coutinho: - Coutinho, e você nesse lance, o que teria feito?


Nosso craque cofiou os bigodes brancos, ajeitou os óculos e, depois de suspirar, devolveu a pergunta: - Quer mesmo que eu responda?


Pausa pras gargalhadas do Neto e dos outros convidados.


Coutinho não sorri.


- Não teria zagueiro, goleiro, câmera, fotógrafo, ia cair todo mundo. Bola num canto, goleiro do outro. Você tá louco que eu perderia um gol desses?


Sabemos disso, Coutinho. Nunca perderia. Você é o gênio da área.


Descanse em paz, grande amigo.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter