Fotografias que convidam à reflexão

Marcos Piffer coletou 360 brinquedos (ou restos deles) trazidos pela maré. Fez um ensaio com consciência ambiental

Por: Arminda Augusto  -  12/10/19  -  15:47
Atualizado em 19/04/21 - 18:22
Parte dos itens que achou e recolheu durante 21 idas à orla
Parte dos itens que achou e recolheu durante 21 idas à orla   Foto: Carlos Nogueira/AT

Um passeio na beira d’água pode ter uma dezena de razões: relaxamento, atividade física moderada, contato com a natureza, meditação, reflexão. Mas, para Marcos Piffer, foi um laboratório a céu aberto e uma colheita de objetos pronta para virar ensaio fotográfico.


Durante 21 idas à orla, o renomado fotógrafo santista coletou 360 brinquedos ou resquícios de brinquedos trazidos diariamente pela maré. Objetos que ao cidadão comum passam como lixo, descarte, entulho. Porém, para o olhar atento de Piffer, transformaram-se na coleção Perdidos da Infância ou Uma Arqueologia Praiana do Plástico.


Fotógrafo dá novo significado para os brinquedos.
Fotógrafo dá novo significado para os brinquedos.   Foto: Carlos Nogueira/AT

Olhar os objetos coletados por Marcos Piffer é viajar na imaginação: uma bola de plástico murcha e suja, um bracinho ou perninha de boneca, o sapatinho de outra, a maleta da Barbie, o ursinho de pelúcia, pazinhas, baldinhos, peneiras, forminhas, panelinhas, peças de Lego, o pedal de uma bicicleta, o peixe Nemo, regador, aviãozinho, peças de boliche, rodas de carrinho e um sem-número de objetos coloridos e já desgastados pela água salgada.


Se apenas olhar os objetos já leva o cidadão mais sensível a viajar na criatividade, conversar com Piffer e entender as razões de sua “pescaria” é provocar ainda mais o imaginário que existe em todos nós. “Esses objetos têm uma história, habitaram o universo de uma criança, foram personagens de suas fantasias. E terminaram com uma ruptura, uma perda, um descarte”, afirma.


Meio ambiente


A coleta e o ensaio fotográfico, feitos entre 2017 e este ano, fizeram parte de um trabalho acadêmico na disciplina Processos Experimentais, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), onde Piffer concluiu o mestrado neste ano.


Para muito além de um trabalho de pós-graduação, o Perdidos na Infância permite uma reflexão lúdica sobre a questão ambiental: ao menos 90% das peças trazidas pela maré são feitas de plástico. “Há uma possibilidade educativa do ensaio, principalmente junto às crianças”, diz o fotógrafo.


Se transformada em exposição, a coleção de objetos pode funcionar como elemento de educação ambiental, uma abordagem sobre o descarte inadequado do lixo, o tempo que essas peças levam para se decompor na natureza, o respeito ao meio ambiente.


Marcos Piffer também acrescenta, em seu trabalho, informações comprovadas sobre a origem dos materiais que chegam às areias da praia santista. Cerca de 40 a 50 toneladas de lixo são recolhidas diariamente nas praias de Santos. Uma parcela desse lixo tem origem nas favelas sobre palafitas em áreas de manguezal existentes no entorno da Ilha de São Vicente, onde estão as cidades de Santos e São Vicente.


“Dependendo da variação das marés e da direção dos ventos, uma parte desse lixo alcança a beira das praias e ali se deposita”, escreve Piffer em seu trabalho.


Como chegou


A coleta dos brinquedos durante as 21 idas à praia seguiu um certo ritual. Munido de sua máquina fotográfica, Marcos Piffer fotografava o objeto na forma como foi encontrado, recolhia-o com cuidado e o levava para casa. Eles não eram lavados, ou seja, areia, cracas ou musgos colados estão preservados na forma original. “Objetos não lavados guardam uma ‘memória’ do período em que estiveram ‘perdidos’”, descreve.


O brinquedo-símbolo da coleção é um tronco de Barbie, sem as pernas, com seus cabelos longos e emaranhados a sementes da árvore mangue-preto, típica do manguezal da região. É um objeto bizarro e um convite à imaginação fértil de cada um: quanto tempo ficou perdida no mangue, quanto tempo levou para chegar à praia, a quem pertenceu, como está hoje essa criança, quantos anos tem, a boneca foi jogada fora ou seu dono a descartou, o que aconteceu com o resto do corpo?


Piffer já concluiu o mestrado e somou mais esse título a seu vasto currículo, mas o Perdidos na Infância pode se transformar, de fato, em exposição. As 360 peças estão em sua casa, prontas para sair e virar objeto de educação ambiental ou, simplesmente, uma coletânea de bons motivos para estimular o pensamento lúdico e criativo das crianças.


Quem é o autor?


Marcos Piffer é fotógrafo profissional desde 1989.Formado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU Santos,tem especialização em Gestão Ambiental e Design pela Faculdade de Arquiteturae Urbanismo da USP. Dedica-se a fotografar principalmenteo ser humano em suas açõespelo mundo, as cidades e anatureza. Suas fotos fazemparte dos acervos permanentes de museus como Masp, Museu de Arte Moderna de SP e Museu da Imagem e do Som de SP.


É autor de 15 livros defotografia, entre eles Patrimônio da Humanidade no Brasil,Amazônia, e Flora – Inventário de Espécies da Mata Atlântica.Mais dois livros,já prontos, devem ser publicados no próximo ano.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter