É com os dedos manchados de diversas tonalidades e com muita habilidade nas mãos que José dos Santos Santana, 46 anos, ganha a vida. O Zé da Graxa, como é popularmente conhecido no Gonzaga, segue como um dos raros a se dedicar a uma profissão que se encaminha para a extinção: engraxate.
A excelência no ofício, aprendido ainda na infância, fez com que ele se tornasse responsável por lustrar os sapatos do xará famoso, José Macia, o Pepe, Canhão da Vila, campeão de tudo pelo Santos.
Estar frente a frente com o craque santista é algo que ele jamais imaginaria ao fugir do Polígono das Secas, no sertão baiano, em busca de uma oportunidade. As raras chuvas e as condições difíceis do semiárido nordestino o expulsaram de sua terra natal, Paripiranga, distante 250 quilômetros da capital Salvador. “Não era fácil lá”.
Foi por um rádio de pilha e relatos do pai, que Santana teve o primeiro contato com o clássico esquadrão santista. Nascia ali a paixão tardia pelo time que ainda inspira admiração no planeta bola e que o deixaria emocionado ao receber um cliente especial.
“A primeira vez que o Pepe veio aqui fiquei feliz, emocionado mesmo. Ele é gente boa, conversador, simpático. Dá atenção para todo mundo. Mas este ano o Pepe está meio sumido. Só apareceu duas vezes. Tá na hora de voltar”, diz, com o característico sorriso com o qual recebe a todos.
Orgulho
Há mais de 15 anos, Santana mantém seu escritório ao lado da Banca Estátua, no Gonzaga, perdendo as contas de quantas personalidades, entre artistas e jogadores de futebol, ele ajudou a melhorar o visual. “O trabalho é fácil, mas tem o jeito certo de fazer as coisas”.
Com o rendimento retirado de cada par de sapato lustrado, pôde criar dois filhos, um com 29 e outro com 27 anos, e manter o orçamento doméstico equilibrado. “As crianças já casaram. Tudo que tenho, tirei daqui, com suor”.
A história do ponto comercial se confunde com a do bairro santista. Afinal, as duas cadeiras de engraxate estão no Gonzaga há mais de seis décadas, período que o bairro começou a se transformar num dos mais famosos para o comércio. No período, contudo, o engraxate passou a perder público com a popularização do tênis. Agora, a freguesia é basicamente formada por advogados e médicos com escritórios na área.
Jornada
Faça chuva ou sol, Santana mantém rigorosa jornada. Pouco antes dos lojistas do Gonzaga abrirem as portas, ele já está com os materiais aguardando a clientela. Morador do Jóquei Clube, em São Vicente, pedala por quase 90 minutos para iniciar o dia às 8h30.
O almoço engolido às pressas é a única pausa até o final da tarde, quando encerra o expediente. “Chego em casa por volta das 20h. O dia é longo, mas nem sempre com muito movimento”.
O descanso após 10 quilômetros sobre a bicicleta é adiado com a cota de trabalho que Santana leva para casa. É à noite que ele lustra botas e sapatos femininos mais delicados ou recupera calçados brancos. “Não há graxa nessa cor, então é preciso pintar. É demorado, mas fica bonito”.
Homens ainda são a maioria da clientela, mas ele cita ser crescente o número de mulheres quem levam botas para uma recauchutada. “É inverno, né? Aumenta bastante”.