Waldemar Esteves da Cunha, o eterno Rei Momo

Há 70 anos, ele assumia o maior posto do Carnaval santista, reinando absoluto por quase meio século. Em agosto próximo, esse ícone da Corte Carnavalesca, falecido em 2013, completaria 100 anos de vida

Por: Sérgio Willians & Colaborador &  -  23/02/20  -  22:13
Waldemar Esteves da Cunha, o eterno Rei Momo
Waldemar Esteves da Cunha, o eterno Rei Momo   Foto: Arquivo/A Tribuna

Santos, carnaval de 1952. A festa estava animada no pomposo salão do Clube de Regatas Saldanha da Gama, na Ponta da Praia. No meio da agitada multidão, uma corpulenta figura, reverenciada e disputada por todos, iniciava seu trajeto de despedida, em meio a uma chuva de confetes e serpentinas.


Eram quase 10 horas da noite quando ele, o Rei da Folia, “saía à francesa” para cumprir outros compromissos. Afinal de contas, “sua majestade carnavalesca” tinha mais súditos a visitar e confraternizar. O destino seguinte era o salão de bailes do Clube XV, no Gonzaga, onde centenas de foliões o aguardavam ansiosamente. 


Waldemar Esteves da Cunha, eleito Rei Momo pela terceira vez consecutiva, sorria como ninguém e distribuía simpatia por onde passava, ainda que estando “morto de cansaço”. O protagonista da festa sabia que não podia se dar ao luxo de relaxar. Afinal, muitos aspiravam a presença da real figura. Um baile que não fosse agraciado por seu comparecimento, enfim, não era considerado glorioso.


Waldemar tinha a exata noção da importância de seu papel, ainda mais numa época em que o carnaval era brindado com a mistura antagônica do glamour e da simplicidade. E, talvez por isso, decidiu vivenciar algo diferente naquela noite festiva de 1952. Ao sair do Saldanha, caminhando pela orla da Ponta da Praia, notou, de longe, um grupo de pessoas que promovia uma alegre batucada, nas cercanias de um conjunto de simplórios barracos.


O Rei Momo santista não titubeou. Afinal, não poderia ele ser apenas a majestade dos bailes abastados e chiques da sociedade santista, assim como dos desfiles tradicionais e corsos modernos. O soberano da folia pertencia, sim, também ao povo e deveria, enfim, respeitá-lo.


Waldemar tomou, então, a direção de um dos barracos e, sem o menor aviso, adentrou no meio da festa popular. Por alguns segundos, os batuqueiros ficaram paralisados e o som acabou engolido pelo silêncio. Os humildes cidadãos não acreditavam no que viam. Alguns choraram, outros ajoelharam, num respeito protocolar irreal. Para aquelas pessoas, a presença do Momo era um prestígio inimaginável.


O rei, em “carne e osso”, dignou-se a compartilhar sua magia com o singelo povo. Passado o susto, a festa extrapolou em alegria, até altas horas. Waldemar nunca mais esqueceria dessa passagem e da missão que acolhera para a vida: ele seria o símbolo do carnaval santista por mais 47 anos.


Waldemar assume o trono


A trajetória do Momo de maior reinado da história do Brasil se inicia no ano de 1950, quando o jovem opulento que personificava a matrona “Dona Dorotéia” na famosa patuscada saldanhista decidiu assumir o posto de soberano da folia santense. A cidade não possuía um Rei Momo desde 1935, quando Eugênio de Almeida, o Tosca, assumiu o trono local como o segundo soberano carnavalesco mais antigo do Brasil. Nesse hiato de tempo, os santistas passaram a ser contemplados pelo Rei Momo da capital paulista.


No entanto, a cidade praiana e portuária não podia nem deveria ficar dependendo de um rei “estrangeiro”. Afinal de contas, o carnaval santista era maior do que o de São Paulo e merecia ter sua própria majestade. E esse papel, enfim, não poderia caber melhor em qualquer outra pessoa que não fosse Waldemar Esteves da Cunha.


Desde a tenra idade, ele já nutria uma relação de amor com o carnaval. Com 13 anos, já desfilava pelas ruas como integrante dos blocos Filarmônica Excêntrica e É Jeito Nosso, ambos criados no bairro Campo Grande, onde Waldemar sempre viveu.


Aos 17 anos, ele ingressou na patuscada Dona Dorotéia, Vamos Furar Aquela Onda?, onde alcançou fama em toda a cidade, justamente por ser o protagonista.


Em 1950, o extinto jornal O Diário promoveu um concurso para eleger o Momo santista. Waldemar foi um nome quase unânime e assumiu o trono em ritmo de folia. O maior folião santista, de fato, incorporou o personagem e era reverenciado por onde passava.


Golpe de Estado fracassado


Em 1957, o Conselho Municipal de Turismo decidiu, sem consultar absolutamente ninguém, trocar Waldemar por outro Rei Momo, Eduardo Weisel, um “estrangeiro” carioca. Os santistas se enfureceram com o que rotularam como um infame “golpe de Estado”. Waldemar decidiu naquele ano, então, incorporar a figura de Nero (o famoso imperador romano que incendiou Roma em 64 d.C.).


E a coisa, de fato, pegou fogo! Nos desfiles dos blocos de rua e em vários bailes da cidade, Weisel foi literalmente ignorado pelos foliões, enquanto o “Imperador Nero” conquistava a simpatia da cidade e era reverenciado por onde passava. No ano seguinte, o Conselho de Turismo não teve outra alternativa a não ser recolocar a coroa real na cabeça de quem, de fato, tinha o coração do povo nas mãos.


Mito e líder dos Momos brasileiros


Em 1963, já famoso em todo o Brasil, Waldemar foi anfitrião da I Convenção Nacional de Reis Momos, sediada em Santos, repetindo o feito em 1966, quando da ocorrência da segunda edição do evento, que chamou a atenção nacional, ganhando as páginas dos principais semanários do país. 


Nunca mais reuniram tamanha quantidade de representantes da Corte Carnavalesca na história.


Aposentadoria, retorno e legado


Depois de retomada a coroa, Waldemar reinou de forma absoluta até 1991, quando, aos 71 anos de idade, passou o cetro para Dráuzio da Cruz, que conduziu a Corte Carnavalesca em 1992. Na sequência, vieram Edvaldo dos Anjos Moura (1993), Toni Ribeiro Alves (1994 a 1996) e Wagner Pontual (1997 a 1999).


Na virada do milênio, o eterno Rei Momo santista foi convidado a ocupar novamente seu posto histórico, reinando por mais dois carnavais (2000 e 2001). No entanto, a festa que tanto amou e à qual dedicou toda a vida havia se transformado demasiadamente, tanto quanto o seu fôlego e a saúde para encarar as passarelas do samba. 


“Pendurada” a coroa, o velho Momo passou a se dedicar à família. Até que, no dia 7 de abril de 2013, aos 92 anos de idade, o querido e eterno Rei Momo santista, Waldemar Esteves da Cunha, nos deixou, assim como deixou um legado de alegria, bom humor, solidariedade e muita, mas muita folia.


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