'Usem esse período para serem sujeitos da própria história', avisa psicóloga

Maria Célia Abreu diz às pessoas mais velhas: ficar em casa é uma escolha, uma decisão interna, mas também uma forma de cuidar de si e do outro

Por: Arminda Augusto  -  29/03/20  -  12:20
  Foto: Arquivo/Irandy Ribas

“Pense no que você quer melhorar em você agora para ser uma pessoa melhor quando tudo isso acabar”. A recomendação é da escritora e psicóloga especializada no envelhecimento Maria Célia Abreu, presidente do Instituto para o Desenvolvimento Educacional, Artístico e Científico (Ideac). É também autora de diversos livros, como "Velhice: Uma Nova Paisagem" (Editora Ágora). Na entrevista a seguir, ela fala aos idosos sobre como lidar com esse período de isolamento da melhor maneira possível.


De repente, as pessoas acima de 60 anos viraram um dos focos mais citados nessa pandemia. Tudo se fala sobre elas: são grupo de risco, alguns não querem ficar em casa, outros têm que fazer home office forçosamente, não podem ter contato com outras pessoas, não podem ver os netos, os filhos....O que dizer a essas pessoas neste momento?


Essa é uma oportunidade dos velhos usarem esse período de isolamento para serem sujeitos da própria história. Traduzindo: pra fazerem aquilo que nunca fizeram.


Como o quê?


Cuidar de si. Muitas vezes nunca tivemos tempo de acordar, tomar um banho sem pressa, fazer um exercício de respiração, alongamento. São coisas simples, mas nunca nos lembramos ou temos tempo de fazer. Também é o momento de aprender a aceitar favores.


Talvez esse seja o fator mais difícil e desafiador...


A gente sempre foi independente, né? E agora precisa aceitar a ajuda de gente jovem. Temos que aceitar.


Mas como lidar com isso assim de repente, se durante toda a vida não dependeu de ninguém?


Veja, eu não gosto do termo quarentena, porque remete a doença. Eu não estou doente, só estou em casa sem receber ninguém para me proteger e aos outros. E isso é me valorizar. Como eu me valorizo, não quero me contaminar nem ser vetor de contaminação. Eu não estou em guerra. Se eu quiser, abro a porta e saio. Mas não vou fazer isso. Não estamos presos, mas é uma decisão interna. É uma escolha. A gente precisa olhar pra isso com muito bom senso. Pessoas que sabem mais do que a gente dizem: fique em casa. E essa é uma forma de aceitar um favor.


Alguns idosos leem, assistem filmes, dominam alguma coisa da tecnologia. Mas muitos têm uma vida mais simples, com cotidiano ligado aos netos e à família. Para esse, é mais difícil ficar longe, não?


Ainda assim, eles podem fazer algo diferente no dia a dia. Mudar hábitos ajuda o cérebro, a memória. Tarefas domésticas que você não fazia, cuidar do quintal...A gente sempre valoriza a pessoa que é mais adaptável, e diz que a rigidez é ruim. Vamos tentar viver sem essa rigidez. Se eu sempre cuidei dos outros, agora vou aprender a me cuidar. Só que a gente precisa fazer isso ativamente.


Como assim?


Não pode ser na obrigação, no automático. Você precisa ter um programa pra você: tomar banho todo dia, vestir uma roupa limpa todo dia, se arrumar todo dia mesmo que não seja pra sair. Precisa ter cuidado com o tempo que perde com redes sociais e televisão, por exemplo. Tem que por um limite.


Ficar com a televisão ligada nessas notícias da pandemia o dia inteiro. Isso também não é saudável, certo?


Limite o que e quanto tempo você vai ver de televisão. Programe o que vai assistir. E precisa ter cuidado com os pensamentos também.


Com os pensamentos?


Pensamentos sombrios, catastróficos, alarmantes...existe uma tendência de que eles tomem conta da gente. É preciso dizer “não” a eles.


E isso só depende da pessoa?


Depende da pessoa fazer um esforço para afastá-los. Ela precisa usar o lado inteligente, e não só o do sentimento. 


Isso é um exercício que depois se torna corriqueiro?


Sim, e nessa situação que estamos vivendo, é fundamental. É preciso descobrir o que nos traz bons pensamentos: uma música para dançar, cuidar do jardim, cozinhar, brincar com o cachorro. E pensar o que você quer melhorar em você, nesse tempo, para depois ser uma pessoa melhor.


Para quem é filho e precisa convencer os pais a ficarem em casa, qual é a cartilha que se deve seguir para não errar ou exagerar?


Primeiro, considerar que os pais não são débeis mentais. Eles pensam por si. Os filhos devem, sim, argumentar fortemente sobre a situação que estamos vivendo, que é inédita. 


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