Um negro é morto a cada 7h no Brasil: especialistas falam o que falta para vencer o racismo

O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, em um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre, escancara uma realidade que vemos todos os dias

Por: Nathália de Alcantara  -  22/11/20  -  11:56
O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, escancara a realidade
O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, escancara a realidade   Foto: Diogo Zanatta/Futura Press/Estadão Conteúdo

Enquanto você acorda, lê essa Reportagem, passa o domingo com a família e se prepara para começar a semana de trabalho, ao menos três negros são assassinados no Brasil. O número de vítimas negras subiu de 694, em 2011, para 1.104, em 2018. A média é de uma morte a cada sete horas, segundo dados disponíveis do DataSUS.


Clique e Assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe acesso completo ao Portal, GloboPlay grátis e descontos em dezenas de lojas, restaurantes e serviços!


O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, em um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre, escancara uma realidade que acontece bem embaixo dos olhos da sociedade, todos os dias, e nem sempre vem à tona: o racismo. A vítima foi espancada por duas pessoas e morreu por asfixia.


Em 2018, 75% das vítimas dos 57.956 homicídios registrados no país eram pessoas negras, de acordo com números do Atlas da Violência de 2020, publicado em agosto deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.


A professora e doutora em Ciências Sociais Aldenir Dida Dias explica que o o racismo está impregnado na sociedade. “O Brasil já foi fundado nesse espírito lá em 1500. Se não temos ações para parar isso, essas atitudes permanecem”.


Para ela, as cotas ajudaram a mudar a cara das universidades públicas, divulgando referências negras em diversas áreas. Mas isso incomodou. E ainda incomoda.


“A sociedade não se preparou para isso e a manifestação de ódio aumentou. Não se aguenta essa mudança nas mulheres, no povo nnegro, na juventude da periferia. O racismo não é problema do negro. o racismo é problema da sociedade. E todos nós temos de resolver isso, juntos”, defende Dida.


O advogado da Comissão de Direitos e Liberdade Religiosa da OAB Santos, Renato Santos de Azevedo, o que vemos é um racismo estrutural, conjunto de propósitos e conceitos que são enraizados na sociedade.


“É a manutenção do tratamento de subalternos e de inferiores, animalizar pessoas da raça negra. Os sistemas de seguranças pública e privada estão afetados por legislação que tem raízes em estudos racistas, nos quais a aparência e a origem social contam mais que a própria conduta”.


Ele defende que escolas públicas e privadas, empresas e as repartições, devem passar por uma proposta de humanização para responsabilidade social.


“As diferenças devem ser provocadas para trazer soluções para a falta de contratação de pessoas negras, para valorização da contribuição de 57% da população, A garantia de direito da população é fonte da melhora do povo brasileiro e o que será bom para o povo preto será ótimo para todos e todas por consequência”.


Raízes


O professor de História e Sociologia, pós-graduado em sociologia da Educação e em História e Cultura Afro-Brasileira, Tom Andrade, vê o caso de Porto Alegre amarrado ao contexto histório.


“Um homem negro numa joalheria é seguido e um homem branco não levanta suspeitas. Os negros eram vistos como mercadoria e sem alma. Vivemos um racismo velado, como se ele não existisse, mas as pessoas diferem como melhor ou pior pela cor da pele”.


Prova de que isso acontece, de acordo com ele, é o fato de pessoas que assassinaram negros serem homenageadas com seus nomes em ruas e praças. “As pessoas não têm dimensão do que é o racismo”.


Debate


O que todos os especialistas concordam é que o debate deve acontecer. Na escola, na universidade, na empresa, na família. Debater , desde a primeira infância, sempre, mas de forma sincera, é a saída para vencer o racismo.


“Não adianta empurrar o racismo para baixo do tapete. Os números demonstram o que temos visto”, defende a especialista em Direito do Trabalho e unegrina Helena Pontes.


Ela diz que vê dentro de sua área de pesquisa e trabalho grandes empresas usando a terceirização para se eximir de situações como a que matou João Alberto.


“Já aconteceram outras vezes e a empresa se isenta dizendo que não é sua postura. Mas troca-se quem faz a segurança e a situação se repete. Isso tem a ver com terrorismo de Estado e racismo estrutural”.


A vereadora eleita em Santos Débora Camilo (Psol) pede que a luta anti-racista se fortaleça. “O fim do racismo é justamente a morte. Ali, vimos a desuminação de uma pessoa. Não dá mais para aceitarmos isso. O debate deve ser central em todas as áreas”.


O advogado Julio Evangelista, com seus dreads coloridos em verde, amarelo em vermelho, diz que ainda recebe olhares tortos.


“Um caso desses às vésperas do dia da Consciência Negra é uma bomba-relógio. Só lamento, porque é assim que o negro é tratado no Brasil: na base da violência. Somos culpados até que se prove o contrário. Quanto mais escura a cor da pele, menos direitos a pessoa tem”.


A diferença de tratamento de um branco e um negro, independentemente da situação, aponta racismo. E as pessoas devem prestar atenção nisso, lembra Julio.


“A gente fica muito abalado, porque a violência contra pessoas negras em variados níveis e de variadas maneiras é realmente uma situação muito recorrente na sociedade brasileira. O racismo institucional é o fracasso de todas as instituições para lidar com as relações raciais no Brasil”.


Logo A Tribuna
Newsletter