Vídeo de boneca Momo assusta criança em São Vicente

Vídeo utilizando boneca criada por um artista japonês instigaria crianças a se machucarem, durante programação infantil na internet

Por: Fernando Degaspari & Da Redação &  -  24/03/19  -  15:37
Aline e o filho de 5 anos: depois que ele assistiu aos vídeos da boneca, seu comportamento mudou
Aline e o filho de 5 anos: depois que ele assistiu aos vídeos da boneca, seu comportamento mudou   Foto: Carlos Nogueira/ AT

A dona de casa Aline Cruz viu o comportamento do filho de 5 anos mudar de repente. A criança não queria mais ir para a escola, evitava ficar sozinha no quarto e chorava bastante. Depois de muita conversa, a mãe, de São Vicente, descobriu que o menino estava assistindo a vídeos ameaçadores da boneca Momo na internet. O YouTube Kids, site citado como meio por onde ela aparece, nega a existência do conteúdo. 


O assunto vem causando polêmica nas últimas semanas, porque pais dizem que os vídeos com ameaças à família e incentivando crianças ao suicídio existem. “Conversei com o meu filho e percebi que o medo era de que acontecesse algo comigo. ‘Você vai aonde, mamãe?’, ‘Você não pode ir sozinha’, ele falava para mim”. 


A escola também percebeu a mudança de comportamento e chamou Aline para conversar. Preocupada, a mãe ficou mais atenta e, um dia, flagrou o filho escondido assistindo a um dos vídeos da boneca.


“Ela dizia que ia sequestrar e matar a mãe [de quem não cumprisse os desafios]. O meu filho contou que, no último vídeo, a Momo falava que, se não fizesse o que ela mandava, ‘era o fim’”, completa Aline.


Segundo relatos em redes sociais, tudo começa com um conteúdo infantil inocente. O vídeo bizarro, então, apareceria no meio da publicação, aleatoriamente. Em um deles, que circulou por grupos de WhatsApp e ao qual A Tribuna teve acesso, a boneca mostra objetos como faca, canivete e lâmina, e ensina como cortar os pulsos.


“Para ganhar a confiança, no começo, ela pede para a criança buscar um copo de água”, lembra Aline. Além do acompanhamento da escola e de muita conversa dentro de casa, ela decidiu levar o filho, nesta semana, à psicóloga.


Vídeos


O YouTube, em nota oficial divulgada nesta semana, afirmou que vasculhou conteúdos em seus vídeos e não encontrou nada que incentive crianças ao suicídio. “Ao contrário dos relatos apresentados, não recebemos nenhuma evidência recente de vídeos mostrando ou promovendo o desafio Momo no YouTube Kids. Conteúdo desse tipo violaria nossas políticas e seria removido imediatamente”.


Até o youtuber Felipe Neto, que tem 31 milhões de seguidores em seu canal, gravou inúmeros vídeos se dirigindo a pais, que estão preocupados, e a parte da imprensa, que fez várias matérias sobre o conteúdo dos vídeos.


O perito judicial forense, especializado em fraudes e falsificações, Lorenzo Parodi explica que o fato de o vídeo não estar mais na internet não significa que nunca esteve. Ainda segundo o especialista, é quase impossível provar que o desafio macabro da boneca Momo foi publicado e retirado. “Não é responsabilidade do YouTube monitorar todas as dezenas de milhares de vídeos que são publicados continuamente. O YouTube pode ter publicado esse vídeo em um determinado momento e, depois, o removeu, seguindo o Marco Civil da Internet”.


“É possível tudo, porque o YouTube não tem como saber qual é o conteúdo de cada vídeo. Até alguém detectar que algo não é apropriado, o vídeo fica no ar. Pode ser por 30 segundos, uma hora ou um dia”.


Obra do escultor japonês Keisuke Aiko, a boneca Momo foi apresentada ao mundo em 2016
Obra do escultor japonês Keisuke Aiko, a boneca Momo foi apresentada ao mundo em 2016   Foto: Reprodução

Pais devem monitorar atividades na web


Ficar atento ao que os filhos veem na internet, bloquear determinados conteúdos e acompanhar as amizades virtuais são os conselhos que especialistas ouvidos por A Tribuna dão aos pais. Cuidados que, segundo eles, não são invasão de privacidade e valem para todas as idades.


“Eu acho que os pais devem, primeiro, sempre supervisionar o que as crianças estão fazendo. As pequenas não podem ficar sozinhas assistindo a vídeos. E deve-se manter o diálogo aberto, na linguagem delas. Dizer que existem pessoas ruins, que põem coisas na internet, mas que elas não precisam ficar com medo”, afirma a terapeuta infantil Aparecida Antunes.


Para a psicóloga e pedagoga Maria Dolores Alvarez, diretora do Colégio Objetivo, a regra vale para todas as idades. “A partir do momento em que os filhos mexem no computador e têm amigos virtuais, devem dividir isso com os pais. Quando você vai ao shopping, a mãe não sabe com quem você vai? Na internet, é a mesma coisa”, explica.


Fantasia e realidade


As psicólogas explicam, também, que crianças até os 7 anos não entendem piadas, porque o mundo delas é muito concreto. Por isso, é importante não deixar os filhos assistirem a vídeos de personagens assustadores.


É o caso de, pelo menos, meia dúzia de vídeos feitos por Felipe Neto, que não tem conteúdos no YouTube Kids. O youtuber é adorado por muitos jovens, mas merece ressalvas na opinião das especialistas. Em um de seus posts, ele fala que “se você não clicar no meu canal, a Momo vai aparecer na sua casa”, de maneira irônica. Seus vídeos não são para crianças muito pequenas.


“As que têm menos de 5 anos são mais vulneráveis, porque não sabem o que é realidade ou fantasia. Os pais devem filtrar os conteúdos a que os filhos assistem”, alerta a psicóloga Sandra Tarricone, especializada em crianças e adolescentes e professora universitária.


Se, apesar dos cuidados, a criança ficar com medo por algum motivo, os pais podem acolhê-la. “Não é o ideal que ela durma no quarto dos pais, mas, quando está com muito medo, você pode acolhê-la. O responsável também pode ir ao quarto da criança, ficar lá até ela dormir, ligar a TV, explicar que isso é uma coisa que não existe, que vai passar”, conclui Aparecida Antunes, dizendo que é preciso ter cuidado, porque o medo dos pais pode ser transmitido para os seus filhos. 


Resposta


Por meio de sua assessoria de imprensa, o youtuber Felipe Neto reitera que "remover suas piadas de contexto é inaceitável e que ele jamais utilizou a figura da Momo de maneira indevida ou para fins de ameaça”, diz a nota enviada.


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