A dona de casa Aline Cruz viu o comportamento do filho de 5 anos mudar de repente. A criança não queria mais ir para a escola, evitava ficar sozinha no quarto e chorava bastante. Depois de muita conversa, a mãe, de São Vicente, descobriu que o menino estava assistindo a vídeos ameaçadores da boneca Momo na internet. O YouTube Kids, site citado como meio por onde ela aparece, nega a existência do conteúdo.
O assunto vem causando polêmica nas últimas semanas, porque pais dizem que os vídeos com ameaças à família e incentivando crianças ao suicídio existem. “Conversei com o meu filho e percebi que o medo era de que acontecesse algo comigo. ‘Você vai aonde, mamãe?’, ‘Você não pode ir sozinha’, ele falava para mim”.
A escola também percebeu a mudança de comportamento e chamou Aline para conversar. Preocupada, a mãe ficou mais atenta e, um dia, flagrou o filho escondido assistindo a um dos vídeos da boneca.
“Ela dizia que ia sequestrar e matar a mãe [de quem não cumprisse os desafios]. O meu filho contou que, no último vídeo, a Momo falava que, se não fizesse o que ela mandava, ‘era o fim’”, completa Aline.
Segundo relatos em redes sociais, tudo começa com um conteúdo infantil inocente. O vídeo bizarro, então, apareceria no meio da publicação, aleatoriamente. Em um deles, que circulou por grupos de WhatsApp e ao qual A Tribuna teve acesso, a boneca mostra objetos como faca, canivete e lâmina, e ensina como cortar os pulsos.
“Para ganhar a confiança, no começo, ela pede para a criança buscar um copo de água”, lembra Aline. Além do acompanhamento da escola e de muita conversa dentro de casa, ela decidiu levar o filho, nesta semana, à psicóloga.
Vídeos
O YouTube, em nota oficial divulgada nesta semana, afirmou que vasculhou conteúdos em seus vídeos e não encontrou nada que incentive crianças ao suicídio. “Ao contrário dos relatos apresentados, não recebemos nenhuma evidência recente de vídeos mostrando ou promovendo o desafio Momo no YouTube Kids. Conteúdo desse tipo violaria nossas políticas e seria removido imediatamente”.
Até o youtuber Felipe Neto, que tem 31 milhões de seguidores em seu canal, gravou inúmeros vídeos se dirigindo a pais, que estão preocupados, e a parte da imprensa, que fez várias matérias sobre o conteúdo dos vídeos.
O perito judicial forense, especializado em fraudes e falsificações, Lorenzo Parodi explica que o fato de o vídeo não estar mais na internet não significa que nunca esteve. Ainda segundo o especialista, é quase impossível provar que o desafio macabro da boneca Momo foi publicado e retirado. “Não é responsabilidade do YouTube monitorar todas as dezenas de milhares de vídeos que são publicados continuamente. O YouTube pode ter publicado esse vídeo em um determinado momento e, depois, o removeu, seguindo o Marco Civil da Internet”.
“É possível tudo, porque o YouTube não tem como saber qual é o conteúdo de cada vídeo. Até alguém detectar que algo não é apropriado, o vídeo fica no ar. Pode ser por 30 segundos, uma hora ou um dia”.
Pais devem monitorar atividades na web
Ficar atento ao que os filhos veem na internet, bloquear determinados conteúdos e acompanhar as amizades virtuais são os conselhos que especialistas ouvidos por A Tribuna dão aos pais. Cuidados que, segundo eles, não são invasão de privacidade e valem para todas as idades.
“Eu acho que os pais devem, primeiro, sempre supervisionar o que as crianças estão fazendo. As pequenas não podem ficar sozinhas assistindo a vídeos. E deve-se manter o diálogo aberto, na linguagem delas. Dizer que existem pessoas ruins, que põem coisas na internet, mas que elas não precisam ficar com medo”, afirma a terapeuta infantil Aparecida Antunes.
Para a psicóloga e pedagoga Maria Dolores Alvarez, diretora do Colégio Objetivo, a regra vale para todas as idades. “A partir do momento em que os filhos mexem no computador e têm amigos virtuais, devem dividir isso com os pais. Quando você vai ao shopping, a mãe não sabe com quem você vai? Na internet, é a mesma coisa”, explica.
Fantasia e realidade
As psicólogas explicam, também, que crianças até os 7 anos não entendem piadas, porque o mundo delas é muito concreto. Por isso, é importante não deixar os filhos assistirem a vídeos de personagens assustadores.
É o caso de, pelo menos, meia dúzia de vídeos feitos por Felipe Neto, que não tem conteúdos no YouTube Kids. O youtuber é adorado por muitos jovens, mas merece ressalvas na opinião das especialistas. Em um de seus posts, ele fala que “se você não clicar no meu canal, a Momo vai aparecer na sua casa”, de maneira irônica. Seus vídeos não são para crianças muito pequenas.
“As que têm menos de 5 anos são mais vulneráveis, porque não sabem o que é realidade ou fantasia. Os pais devem filtrar os conteúdos a que os filhos assistem”, alerta a psicóloga Sandra Tarricone, especializada em crianças e adolescentes e professora universitária.
Se, apesar dos cuidados, a criança ficar com medo por algum motivo, os pais podem acolhê-la. “Não é o ideal que ela durma no quarto dos pais, mas, quando está com muito medo, você pode acolhê-la. O responsável também pode ir ao quarto da criança, ficar lá até ela dormir, ligar a TV, explicar que isso é uma coisa que não existe, que vai passar”, conclui Aparecida Antunes, dizendo que é preciso ter cuidado, porque o medo dos pais pode ser transmitido para os seus filhos.
Resposta
Por meio de sua assessoria de imprensa, o youtuber Felipe Neto reitera que "remover suas piadas de contexto é inaceitável e que ele jamais utilizou a figura da Momo de maneira indevida ou para fins de ameaça”, diz a nota enviada.