Estado e São Vicente não atendem criança com doença degenerativa, dizem pais

Justiça determinou que menino, portador de atrofia muscular espinhal (AME), receba materiais, alimentação e acompanhamento

Por: Nathália de Alcantara & Da Redação &  -  27/08/19  -  01:15
Sidney Octávio faz questão de ser fotografado com os pais, Sidney e Vanesa, e o cachorro de pelúcia
Sidney Octávio faz questão de ser fotografado com os pais, Sidney e Vanesa, e o cachorro de pelúcia   Foto: Vanessa Rodrigues/AT

Apesar de ter duas liminares nas mãos, Vanesa Pereira Leite, de 34 anos, está de mãos atadas e mal pode garantir a alimentação necessária para o filho, Sidney Octávio, de 9. Ele é portador de atrofia muscular espinhal (AME), doença degenerativa dos músculos e parte respiratória.


“Estou desesperada. É angustiante ver que a dieta alimentar do meu filho, a única coisa que pode alimentá-lo, está acabando e não poder fazer nada. A Justiça já nos concedeu o direito a isso, mas isso não tem adiantado”, desabafa.


Uma liminar de 23 de agosto de 2018 garante que o garoto receba do estado, todo mês, nove insumos para que possa sobreviver. Entre eles, estão sonda, fralda, acessórios para traqueostomia, álcool e sua dieta alimentar.


O detalhe é que, conforme mostrou Vanesa à Reportagem, não houve um mês em que a família conseguiu retirar, no Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Santos, tudo o que a Justiça determinou.


No dia 25 de abril deste ano, o juiz fixou multa diária de R$ 500 ao estado, em caso de não cumprimento da decisão.


“Foram pedidos equipamentos e insumos, mas estado e prefeitura recorreram e a Justiça analisa a apelação. Eles dizem não ter condições financeiras de fornecer isso para todos”, diz Vanesa.


Na última segunda-feira (19), quando o pai, Sidney Alves Coutinho, de 37 anos, foi buscar os insumos do garoto, se deparou com um álcool e 52 frascos vazios de alimento.


“Assinei um formulário de recusa como protesto. Estamos cansados disso. É muita humilhação. Na observação, escrevi que é uma vergonha todo mês eu ir até lá buscar o que meu filho precisa e faltar algo”.


Realidade


Sidney Octávio só respira por aparelhos, se alimenta por sonda e dorme com os pais. Para mexer, inclusive a cabeça, precisa de ajuda.


A rotina da família começa às 7h, com banho e troca de fralda, medicações e higienização dos aparelhos. Mas, até durante a madrugada, é preciso dormir com um olho fechado e outro aberto.


“No caso dele, uma gripe pode ser fatal e precisamos estar atentos o tempo todo. Por conta da complexidade da situação, dificilmente saímos”, conta a mãe.


Na casa, que fica no Conjunto Habitacional Tancredo Neves, na Cidade Náutica, em São Vicente, o garoto estuda e não desgruda do cachorro de pelúcia Peludinho. “Eu ganhei da minha irmã quando nasci. Ela me entregou para eu sempre ter uma companhia”, diz.


Outra liminar


A segunda liminar, de 4 de julho, determina atendimento multidisciplinar domiciliar com fisioterapias motora e respiratória diárias, fonoterapia duas vezes por semana, terapia ocupacional semanal e avaliação nutricional mensal. Até agora, a Prefeitura de São Vicente não se manifestou a respeito do assunto, diz Vanesa.


“Nós chegamos a procurá-los diversas vezes, mas não somos atendidos ou tratam a gente com grosseria. Estamos cansados. É tudo com tanta dificuldade para nós. É a rotina em casa, o dinheiro para dar conta de tudo e ainda essas barreiras com elementos que são a sobrevivência dele”, afirma a mãe.


Poder público fala em atraso de fornecedores e surpresa


Sobre a falta de insumos para Sidney Octávio, o Departamento Regional de Saúde (DRS) da Baixada Santista disse que os responsáveis foram atendidos em julho, quando houve fornecimento da dieta nutricional, acessórios para traqueostomia, álcool etílico, cloreto de sódio e sonda para aspiração traqueal. “No dia 19 de agosto, o pai do paciente compareceu à farmácia, mas não quis retirar os produtos disponíveis”, explica, em nota à Reportagem.


Informou ainda que a demanda referente ao caso é composta por nove produtos e atrasos na entrega por parte dos fornecedores podem impactar no atendimento. “O DRS notificou os fornecedores para que agilizem as entregas. Os responsáveis pelo paciente serão comunicados tão logo isso ocorra”.


Já a Prefeitura de São Vicente disse que ficou surpresa com a mãe do paciente ter pago do próprio bolso a fisioterapia, “uma vez que a criança vem sendo atendida por equipe multidisciplinar no domicílio, desde 2016, e recebe atendimento do fisioterapeuta três vezes por semana”.


Segundo advogados, situação é antiga


O advogado Wilson Roberto Pereira Junior, especialista na área de Saúde, diz que a família realmente nunca consegue buscar todos os insumos no AME.


“No mês seguinte, bem que eles poderiam retirar os insumos que faltaram, mas não é assim na prática. Vejo que isso ainda acontece com outras famílias, porque atendo outros casos”.


Na última quarta (21), ele preparou um documento avisando sobre o descumprimento de liminar. “O juiz deverá pedir que eles se manifestem sobre esse assunto e cumpram um prazo para entregar o que falta”.


Sobre o atendimento multidisciplinar em casa que Sidney Octávio deveria ter, o advogado Marcello Lepiane Meirelles Druwe Xavier, especialista em Infância e Juventude, explica que a Prefeitura de São Vicente sequer se manifestou sobre a liminar concedida em 4 de julho deste ano.


“No dia 9 de agosto entrei com outro pedido e, na última sexta-feira, foi expedido um mandado. A prefeitura terá cinco dias para se manifestar sob pena de apuração de improbidade administrativa do responsável”.


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