Sofrimento duplo na UPA Central de Santos; vídeo

Pacientes que pedem socorro na unidade santista são obrigados a lidar com burocracia e descaso

Por: Nathália de Alcantara & Da Redação &  -  15/01/20  -  22:22

Duas horas foi o tempo entre a dor no peito de tirar o ar, acompanhada de formigamentos no braço e no rosto, e o socorro recebido na UPA Central, em Santos. No meio disso tudo, a auxiliar de limpeza Yara Aparecida Gonçalves, de 54 anos, enfrentou burocracia, descaso e desrespeito em um cenário que tinha até senhoras deitadas no chão e nas cadeiras enquanto aguardavam atendimento.


Os sintomas começaram durante o trabalho, no Paquetá, em Santos. O Samu foi acionado por pelo menos três vezes. Mas, depois de mais de 40 minutos de espera, os colegas de trabalho levaram Yara para a UPA Central de carro.


O que parecia ser o fim de um desespero interminável foi o começo de uma tortura. Retirar uma senha, esperar na fila da triagem, voltar para fazer a ficha e esperar pelo atendimento. Yara chegou a dizer “eu não vou aguentar esperar. Não vai dar tempo”, levando a mão ao lado esquerdo do peito.


A Fundação do ABC, que faz a gestão da unidade, informou por meio de nota que a paciente foi “prontamente atendida pelas equipes assistenciais. Passou pelo sistema de classificação de risco, pelo qual foi classificada com a cor amarela, e foi atendida pelo médico após espera de 8 minutos”.


Só que isso não aconteceu. Nem o 'pronto atendimento' de Yara nem o de outros mais de 40 pacientes que aguardavam sua vez enquanto a Reportagem estava no local.


Deitada no chão da recepção, a moradora de rua Milene da Silva, de 33 anos, tossia muito. Chegou a levantar-se para cuspir sangue no banheiro. “Já vim três vezes e me liberam. Cheguei às 12h, são 16h e ainda espero ajuda. Me senti tão mal que deitei no chão. Durmo aqui em frente e vejo isso todo dia. É ruim para todos, mas pior ainda para mim, porque moro na rua”.


Prioridades


As pulseiras azuis e verdes, ambas indicativas de baixa complexidade, revelam os pacientes que aguardam por mais tempo. Isso independentemente da prioridade, como nos casos de bebês de colo e idosos.


Mais de 1h30 ficou esperando a dona de casa Eduarda Honorato Marques dos Santos, de 19 anos, com o filho Vitor Hugo, de 6 meses, no colo. O bebê está há dois dias com febre e vomitando. “Lá dentro está muito abafado e cansativo. Viemos aqui para fora para tentar acalmá-lo”.


Até os casos de prioridade não eram respeitados na tarde de terça
Até os casos de prioridade não eram respeitados na tarde de terça   Foto: Matheus Tagé/ AT

Paciência maior precisou o cozinheiro Carlos Alberto de Castro, de 23 anos, que acompanhava a avó Maria Tereza Gomes de Jesus, de 60. “Esperamos há três horas. Ela tirou um tumor do estômago, tem enfisema pulmonar e imunidade baixa. Nem poderia estar exposta a tanta gente”.


O cozinheiro Felipe Machado, de 40 anos, também esperava agoniado o atendimento da avó Tereza Ermelinda da Conceição, de 87.


“Falta respeito com as pessoas mais velhas. Estamos aguardando faz duas horas e não há previsão de atendimento. Ela está sentada com muitas dores no corpo. A gente se segura para não reclamar, mas é difícil”.


Respostas


A Fundação do ABC, que faz a gestão da UPA Central, diz que não procede a informação de que uma paciente chegou às 10h e não foi atendida até o início da tarde. “A paciente deu entrada às 10h20, classificada com a cor verde - ou seja, baixa complexidade - e passou com o médico às 11h28, seguindo para exames, medicação e observação clínica”.


Diz ainda que o tempo de espera para os atendimentos é definido pelo Ministério da Saúde. Casos azuis são atendidos pelo médico em até 4h (baixa complexidade); verdes em até 2h (baixa complexidade); amarelos em até 30 minutos (média complexidade); e vermelhos, imediatamente (urgente).


Informa ainda que a unidade funcionou ontem com a equipe completa de seis médicos clínicos, dois pediatras, um ortopedista e um dentista, além da equipe de enfermagem e demais profissionais.


Já a Prefeitura de Santos diz que o Samu tem 17 ambulâncias, com quatro vezes mais veículos do que o mínimo estipulado pela União. E que o caso de Yara foi classificado como urgência, sem risco de morte, pela avaliação do médico regulador com as informações passadas pelo solicitante da ambulância. “O tempo de resposta é de até 30 minutos”.


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