Santos, berço da produção açucareira no Brasil

O açúcar foi o primeiro produto embarcado em larga escala, fazendo o aroma das águas do canal do estuário se misturar ao ar adocicado do produto

Por: Sérgio Willians & Colaborador &  -  29/03/20  -  22:15
Edição 193ª da coluna Porto & Oportunidades
Edição 193ª da coluna Porto & Oportunidades   Foto: Carlos Nogueira/ AT

Região do Enguaguaçu (futura Vila de Santos), cerca de 1535. Os olhos de Pero de Góes, o dono do engenho da Madre de Deus, brilhavam ao testemunhar a primeira colheita de cana-de-açúcar de sua sesmaria. O solo escolhido, junto ao Morro das Neves,não era dos melhores e, provavelmente por isso, se fizeram necessários pouco mais de dois anos para que as mudas trazidas da Ilha da Madeira germinassem e crescessem adequadamente. 


Outros povoadores que apostaram na monocultura, entre os colonos pioneiros deixados por Martim Afonso de Sousa nas terras da Capitania de São Vicente, como José Adorno, João Veniste, Francisco Lobo e Vicente Gonçalves, também não tiveram melhor sorte e demoraram até um pouco mais para vislumbrarem uma produção razoável.  

Deus, erguido ainda em 1532 (ano da chegada dos colonizadores) no local hoje conhecido como Sítio das Neves, estava pronto para triturar a cana e iniciar a extração do açúcar, bem como da bebida inebriante que caíra no gosto dos europeus desde o século 10. 

Góes contava com a ajuda de três fortes rapazes e uns 30 índios, feitos escravos para as tarefas mais pesadas. À medida que os fardos de cana chegavam à moenda, o trabalho da transformação começava. Os talos da cana eram moídos para a extração do caldo, posteriormente fervido em fornalhas e purificados em tachos de cobre, sob a batuta de um especialista (o “mestredoaçúcar”). Esse posto era geralmente ocupado por homens bem pagos pelo dono do engenho ou por alguém de muita confiança dele. 


Depositados nos tachos, e após a drenagem do líquido restante, o melaço ficava sólido e, só então, era batido, esfarelado e separado em diferentes tipos de açúcares. A primeira produção santista e, provavelmente, brasileira, foi modesta, mas deu o pontapé para um dos mais importantes ciclos  econômicos da história do País. 


São Vicente, Pernambuco e Bahia 


O protagonismo do primeiro engenho brasileiro em solo santista é relativamente aceito pela comunidade acadêmica em razão do passo decisivo por iniciar a colonização brasileira em terras vicentinas. No entanto,a questão da primeira produção açucareira divide opiniões, pois o Reino de Portugal decidiu abrir outras frentes para empreendedores do açúcar na região Nordeste, mais especificamente nas capitanias de Pernambuco e na da Bahia de Todos os Santos. Os engenhos daquela região também foram construídos na década de 1530. 


Os lusitanos investiam fortemente nas terras além-mar, tentando torná-las produtivas. Era uma forma de calar franceses, holandeses e ingleses, que questionavam a legitimidade do Tratado de Tordesilhas (que dividiu o mundo entre portugueses e espanhóis) e diziam só reconhecer a posse sobre terras ocupadas. 


Logo o Brasil se tornou uma potência açucareira e atraiu parceiros importantes, como os holandeses. Pela localização (1.500 quilômetros mais longe da Europa do que Pernambuco) e solo menos apropriado para o cultivo da cana-de-açúcar, a Capitania de São Vicente ficou em segundo plano.

Os engenhos de Santos 


Além do equipamento pioneiro pertencente a Pero de Góes, situado na atual Área Continental de Santos, havia o Engenho São João, explorado por três italianos de Gênova (Antônio,José e Paulo), homens experientes no ramo por terem trabalhado com produção açucareira na Ilha da Madeira (de onde vieram as primeiras mudas à Capitania). Este empreendimento situava-se junto ao Morro do Fontana, às margens do ribeirão São Jerônimo (nas proximidades do túnel Rubens Ferreira Martins, do lado do centro). 

O comando era de José Adorno, figura tida como violenta, mas que acabou “regenerada”, tornando-se amigo de jesuítas – para quem doou várias terras – e carmelitas - para quem doou a Capela da Graça, construída por volta de 1560. Ele era dono de uma das maiores fortunas do século 16. 

O terceiro e último engenho daquele período era considerado o mais importante, pois era do capitão donatário, Martim Afonso de Sousa, dedicado a São Jorge e recebendo ainda o nome de“Engenho do Governador” ou “Engenho do Trato”.

Era um equipamento que moía a cana produzida por quase todos os colonos da Capitania. Porém, o capitão do natário não teve interesse de manter o empreendimento e logo o passou para frente. Foi absorvido por um empresário flamengo (da região de Flandres, entre Bélgica e França), Erasmos Schetz. Em pouco tempo, ficou conhecido por Engenho dos Erasmos.

Santos açucarada 


Apesar de ter produzido bem menos do que Pernambuco e Bahia, os engenhos da capitania vicentina enriqueciam seus donos e exportavam o possível pelo Porto de Santos. O açúcar foi o primeiro produto embarcado em larga escala, fazendo o aroma das águas do canal do estuário se misturar ao ar adocicado do produto que ganhou o mundo por nossos engenhos pioneiros. 
 


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