Sala Princesa Isabel: novo e intrigante mistério histórico pode desvendar um símbolo de Santos

Recentemente restaurada, a Sala Princesa Isabel, que nasceu em 1888 na Cadeia Velha e ocupa o Paço Municipal desde 1939, revela em suas paredes um desenho que pode desvendar a inspiração de um ícone da Cidade: a mureta

Por: Sérgio Willians & Colaborador &  -  23/08/20  -  17:30
Paredes revelam um desenho que pode desvendar a inspiração de um ícone da Cidade: a mureta
Paredes revelam um desenho que pode desvendar a inspiração de um ícone da Cidade: a mureta   Foto: Divulgação/PMS

Santos, 27 de novembro de 1884. A cidade santista estava eufórica com a presença de Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon Duas Sicílias e Bragança (sim, isso tudo é um nome só!). E não era pra menos. Afinal, era a 1ª vez que a princesa imperial do Brasil, herdeira direta do trono, pisava no solo natal de José Bonifácio de Andrada e Silva, falecido tutor de D. Pedro I, seu pai.

Isabel também estava feliz, acompanhada do marido, o príncipe imperial consorte Gastão de Orleans, o Conde D’Eu; dos filhos Pedro (9 anos), Luís (6) e Antônio (3) e de grande comitiva. No entanto, aquela fora uma visita rápida. Na verdade, praticamente uma passagem relâmpago pela vetusta cidade portuária. É que havia uma embarcação (um paquete) atracada no cais do Valongo à espera de Isabel e seus acompanhantes, com destino a Paranaguá (PR).

Nas pouco mais de três horas que estiveram na cidade, Isabel e Conde D'Eu visitaram Santa Casa, Beneficência Portuguesa, Igreja Matriz e Praia da Barra (Boqueirão), além da Câmara Municipal, que à época situava-se na atual Cadeia Velha.

Sempre simpática e atenciosa, a mulher que chegou a comandar o Brasil por duas vezes até então (de maio de 1871 a março de 1872 e entre março de 1876 e setembro de 1877), como regente do Império, ouviu os representantes do povo santista e se comprometeu a interceder junto ao pai em questões pontuais. As autoridades locais se mostraram satisfeitas e impressionadas com a sabedoria e habilidade política da princesa.

Quatro anos depois, em maio de 1888, Isabel protagonizaria um dos maiores feitos históricos do Brasil Imperial, novamente na qualidade de regente, determinando o fim da escravidão no Brasil. O ato lhe garantiu a alcunha de Redentora. A cidade de Santos, claramente alinhada aos preceitos do abolicionismo, decidiu, então, perpetuar uma homenagem à altura do magnânimo gesto, nominando a sala de sessões da vereança com o nome dela.

As três salas da Câmara

A primeira Sala Princesa Isabel funcionava na parte superior da atual Cadeia Velha até 1896, ano em que a Câmara passou a ocupar um dos blocos dos famosos Casarões do Valongo (atual Museu Pelé). A nova sede da municipalidade, adaptada às atividades políticas locais, foi decorada com o que havia de melhor em termos de mobiliário.

Além disso, nas paredes havia os retratos dos primeiros presidentes do Brasil, desde o marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891) e, em lugar de destaque, um enorme quadro retratando o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, inventor do aeróstato, numa bela obra assinada por Benedicto Calixto.

Nos Casarões do Valongo, a Sala Princesa Isabel existiu até 1939, quando foi novamente transferida, desta vez a um espaço definitivo, construído às margens da remodelada Praça Mauá: o suntuoso Palácio José Bonifácio de Andrada e Silva.

A sala de sessões da Câmara no novo Paço impressionou a Cidade por ostentar luxo e beleza, alinhado à riqueza ditada pela edificação projetada por Plínio Botelho do Amaral. No centro do espaço, um imponente lustre com cristais da Bohemia irradiava luz intensa ao ambiente, revelando as obras de arte estampadas nas paredes e em quadros que retratavam figuras históricas como Martim Afonso de Sousa, Braz Cubas e a própria princesa Isabel, em trabalho do pintor italiano Ângelo Cantú.

Somado aos vitrais que descrevem a liberdade, a justiça, a caridade e a nacionalidade, ao mobiliário construído em madeira nobre, ao piso em tacos de altíssima qualidade e aos murais que revelam a força do trabalho e da educação santista, a essência do lugar que evoca à lembrança de uma das mulheres mais importantes da história brasileira se mantém viva e provoca uma sensação de orgulho a todo santista que lá adentra. Afinal, cada detalhe é um mergulho na história.

Visita abre as portas a questionamentos
 

Há cerca de dez dias, estive visitando a Sala Princesa Isabel, a convite da Prefeitura, para opinar sobre detalhes antes da inauguração. Aproveitei para contemplar o restauro e fiquei encantado com seu resultado. Fazia tempo que não entrava ali e desfrutei da oportunidade para empreender uma nova leitura do local, mais detalhada e lastreada na bagagem histórica adquirida nestes anos de pesquisa.

Em determinado momento, meu olhar se voltou a uma das paredes laterais, situada quase na saída para o salão nobre da antiga Câmara. Fico paralisado e intrigado ao vislumbrar uma composição geométrica extremamente familiar desenhada em relevo numa placa de mármore incrustada numa parede de granito. Em seguida, indago aos meus acompanhantes o que eles veem ali. Imediatamente, todos respondem: "o desenho da mureta do canal".

Não há dúvidas. Apesar de apresentada numa proporção diferente e forma ligeiramente alterada, era um desenho muito próximo da composição clássica da famosa mureta que nasceu em 1945 na Avenida Almirante Saldanha da Gama, na Ponta da Praia, e o longo das décadas se tornou um dos símbolos de Santos.

“Com certeza esse desenho foi inspirado na mureta. Talvez uma homenagem”, disse um dos meus acompanhantes. Eu balancei a cabeça e retruquei: “Isso não seria possível. Esta parede é original e foi aqui colocada quando da construção do Paço Municipal, em 1938. Sendo assim, é anterior à mureta, pelo menos uns cinco anos”.

No mesmo dia, pesquisei nos arquivos fotográficos da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams) por imagens do Paço em 1939, ano de sua inauguração. E lá estava a parede, do mesmo jeito que encontrei.

Diante do fato, fica uma questão para a história das muretas dos canais: será que seu desenho foi inspirado por esta arte nas paredes da Sala Princesa Isabel? Não seria algo a descartar. Afinal, o desenho da mureta surgiu poucos anos depois, proposta pelo Departamento de Obras da Prefeitura, assinado por Carlos Lang. Que tal mais esta pimenta para a memória santista?

Sobre o autor - Sergio Willians é jornalista e pesquisador da história de Santos. Conheça seu trabalho no site www.memoriasantista.com.br

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