Repórter se torna "idoso" por um dia; vídeo

Experiência mostra dificuldades de mobilidade, audição e visão em Santos

Por: Júnior Batista & Da Redação &  -  21/12/19  -  09:43

Todos concordamos que as questões relacionadas aos idosos são importantes e de interesse público. Mas, no dia a dia, acabamos esquecendo de pequenos detalhes que fazem a diferença. Talvez seja a falta de noção de que seremos um dia pertencentes à Terceira Idade. A Fundação Seade aponta que, só na Baixada Santista, 20% dos habitantes terão mais de 60 anos até 2030. Hoje, Santos já sente essa realidade e vê 25% dos seus moradores nessa faixa.


Pensando nisso, passei algumas horas andando pela Cidade como um idoso, na última quarta-feira. A tarefa exigia algumas alterações e, depois de consultar especialistas em idosos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), recebi orientações. Em respeito ao meu peso e idade, coloquei quatro tornozeleiras: 2 kg em cada perna e 1 kg em cada braço, para simular a mobilidade reduzida. Também usei tampões de ouvido para limitar a audição e sujei meus óculos com óleo infantil, dificultando a visão.


No José Menino, semáforo ficava aberto apenas 20 segundos
No José Menino, semáforo ficava aberto apenas 20 segundos   Foto: ( Matheus Tagé/AT)

Atravessar ruas é desafio


A primeira experiência foi no José Menino, onde, segundo a população, os semáforos na avenida da praia possuem um curto tempo de travessia. E realmente percebi isso. Eu e o repórter-fotográfico Matheus Tagé contamos 20 segundos de travessia pelas duas pistas.


O peso nos pés já não me permitia atravessar rapidamente, o que me fez ver quanto os idosos sofrem quando veem as luzes piscando. A aposentada Alzira Mantero, de 79 anos, que conheci na hora, disse que atravessar é mesmo problemático – a ponto de já ter presenciado muitos acidentes envolvendo idosos.


Faixa viva até que funcionou bem
Faixa viva até que funcionou bem   Foto: ( Matheus Tagé/AT)

De lá, seguimos pela praia até uma travessia no Gonzaga. Com a faixa viva em ação, a experiência foi positiva, pois os carros respeitaram o sinal de parada. Mas eu já sentia o peso.


E o interessante era que, sem perceber, eu falava muito alto. Os carros e ônibus, ao fundo, não eram mais ouvidos, o que fez com que eu prestasse muito mais atenção, com medo de um acidente.


Logo depois, fomos pela Avenida Ana Costa, de carro, até o cruzamento com a Avenida Francisco Glicério. Ombros e trapézio davam sinais de cansaço, assim como os joelhos. Lá, foi preciso atravessar com muito mais cautela, porque não ouvia o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Só me restavam os sinais de passagem e a atenção total às bicicletas. Parei no canteiro central e completei o caminho depois de esperar o sinal abrir novamente.


Embarque de sufoco no ônibus


No ponto da Ana Costa, peguei um ônibus até o Centro da Cidade. Encontrei a dona de casa Maria Aparecida de Lima, de 71 anos. Moradora da Zona Noroeste, ela retornava de uma consulta no fisioterapeuta e contou que, por conta das consultas diárias, vai sempre ao Gonzaga. O relógio marcava 13h e ela admitiu que esperava um transporte mais tranquilo. Situação bem diferente do período da manhã, quando os coletivos estão lotados.


Nos ônibus, notei que ainda falta empatia das pessoas
Nos ônibus, notei que ainda falta empatia das pessoas   Foto: ( Matheus Tagé/AT)

"Não conseguimos lugar para sentar. As pessoas fingem que dormem. Eu nem peço mais para sentar, sabe? Cansei de ficar me humilhando”. Lembro a ela, no entanto, que não se trata de humilhação, mas sim um direito legal. Desolada, ela diz que, na prática, a lei não é cumprida.


Quando o ônibus chega, sinto dificuldade para subir. Os degraus nem são tão altos, mas com mobilidade reduzida, qualquer esforço, por mínimo que seja, se torna mais difícil. Fiquei algum tempo com ela, sentado, porque havia poucas pessoas nos lugares. Já no fim da Ana Costa, me levantei e tive que segurar com as duas mãos para não cair. Sônia Maria da Silva, de 56 anos, conta que já tropeçou ao descer. “Nem todos os motoristas têm paciência, viu? Às vezes brecam rapidamente e a gente perde o equilíbrio”.


Ônibus foi parte mais cansativa da experiência
Ônibus foi parte mais cansativa da experiência   Foto: ( Matheus Tagé/AT)

Agradeci por chegar à Rua João Pessoa. Desci já com bastante dor nos ombros e nos joelhos. Até me esqueci dos barulhos ao fundo e acabei me acostumando com a visão turva. Talvez seja por isso que os idosos sofrem tantos acidentes.


Com a falta de mobilidade e as dores, no fim das contas, só pensam em chegar ao destino e descansar, desligando-se do que acontece ao redor. E nós, cada vez menos empáticos, não os enxergamos à nossa frente, ignorando o fato de que, um dia, todos seremos velhos.


Resposta


A Prefeitura de Santos informa que segue as normas do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), mas os tempos de travessia na CIdade são maiores por haver mais idosos. Ela justifica, no entanto, que a Av. Presidente Wilson concentra um dos maiores números de veículos em circulação e qualquer alteração semafórica implica em gerar lentidão significativa no trânsito. De qualquer forma, a CET-Santos irá realizar novas vistorias no local.


*Os pesos foram emprestados pela fisioterapeuta Noelly Mariano, da Interfisio Studio de Pilates, de São Vicente.


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