O resto de material de construção no interior do imóvel da Rua São Francisco, 195, no Centro de Santos, é o espólio do fim de uma era. Entre a movimentação dos operários e o vazio do salão, até então tomado por entulho, mais um capítulo da recente história santista se esgota. Após 41 anos de atividade ininterrupta, o remanescente do cinema de entretenimento adulto dá adeus: o (icônico) cine Júlio Dantas fechou as portas.
Retrato da “boca do lixo” de Santos – nome dado às vias centrais que reuniam bares e “inferninhos” destinados aos prazeres carnais –, o cine adulto fez parte do chamado circuito boêmio santista. Além do espaço, esse pequeno universo particular era formado pelos teatros Guarany e Coliseu, que no passado exibiam longas adultos e apresentações eróticas ao vivo. Cenas eternizadas e corriqueira nas páginas dos romances do santista Plínio Marcos (1930-1999).
Era comum anúncios de suas exibições cinematográficas do Júlio Dantas no caderno Galeria, de A Tribuna.E, apesar do declínio do Centro santista nas últimas décadas, se manteve ativo, em meio à popularização do consumo do gênero pornô por streaming (via internet). Nos anos finais de existência, o espaço santista conseguia reunir uma média de 90 espectadores por dia.
A última pá de cal, contudo, veio com a pandemia de Covid-19 e a proibição das salas de cinema para conter a escalada do novo coronavírus. Desta forma, apenas o comportado Roxy se mantém como baluarte entre os antigos cinemas santistas, que hoje dão lugar a residenciais ou não resistiram à invasão de redes nacionais das telonas em terras locais.
No imóvel, os trabalhadores não sabem informar sobre o destino no antigo cinema, responsável pela satisfação momentânea de muitos marmanjos.ATribuna.com.br também não conseguiu contato com o proprietário do espaço. As duvidosas poltronas e a tela que exibia projeções para o deleite dos frequentadores não mais estão no espaço. Seu destino é uma incógnita.
Fim de um ciclo
Com as portas abertas em 1979, o Júlio Dantas (adulto) funcionou por décadas na Rua Martim Afonso. Já no atual século, em 2006, mudou para a Rua São Francisco, no qual já sentia o impacto da popularização da internet, após sobreviver à invasão dos aparelhos de televisão, que retirou parte do público habitual das telonas.
Mas a história do icônico espaço santista teve a sua origem de forma mais comportada. Em 1956, o Real Centro Português transformou uma área ociosa num salão teatro. E batizou o espaço com nome do escritor, teatrólogo e político lusitano Júlio Dantas (1876-1962), reconhecido como um dos mais notórios intelectuais daquela nação no século passado.
O espaço se tornaria uma das casas teatrais tradicionais e confortáveis da região, recebendo companhias e peças de renome internacional. Júlio Dantas, o escritor, teve suas principais obras encenadas no palco do local que leva seu nome. Em meio a dívidas crescentes, o cinema vendido, na década de 1979, foi adaptado para receber exibições voltadas aos maiores 18 anos.