Era uma vez: Os mistérios por trás de um simples passeio de hidroavião pela baía de Santos

Intrépido herói ou cruel genocida? A incrível história de um pioneiro da aviação que viveu em Santos e fazia a alegria de crianças e adultos

Por: Sérgio Willians & Colaborador &  -  07/06/20  -  12:37
Hidroavião sobrevoava rasante a boca do Canal do Estuário
Hidroavião sobrevoava rasante a boca do Canal do Estuário   Foto: Reprodução

Santos, 13 de janeiro de 1951. Da faixa de areia da Ponta da Praia, as crianças vibravam ao testemunharem a evolução ousada do pequeno hidroavião que sobrevoava rasante a boca do Canal do Estuário. Os adultos também se impressionavam com a habilidade do piloto, que manobrava como se guiasse um moderno caça de guerra. Logo o aparelho embicaria na direção da praia para amerissar, mansamente, nas tranquilas águas da Baía de Santos, levando ao delírio o público. Pouco depois, com a aeronave já estacionada em terra, o intrépido aviador descia de seu ‘brinquedo’ ostentando um largo sorriso e, com um sotaque típico dos europeus da Bavária, dizia aos que ali ficaram para lhe esperar: “Quem quer voar como os pássaros? Dar um passeio por este belo lugar?”


As pessoas ficavam tentadas por viver aquela aventura nos céus de Santos. Afinal, aquele homem de aparência heroica inspirava segurança. Mas, por trás de sua história, além de fatos realmente heroicos, havia um suposto rastro de dor e crueldade. O aviador, nascido na Letônia em 19 de maio de 1900 era, sem ninguém saber, uma lenda em seu país. Alvo da paixão das mulheres e inspiração aos jovens letônios, Herberts Cukurs fora um pioneiro da aviação de longa distância. Nos anos 1930, havia protagonizado travessias aéreas de repercussão internacional, como de Riga a Gâmbia, na África (6 mil km) e de Riga a Tóquio (8 mil km).


Ousado, ele também desafiava o perigo. Certa vez, voou por baixo da ponte do Rio Kalpaka, passando apenas um metro da superfície da água. Era conhecido também por fabricar seus próprios aviões, que eram tão bons que até as Forças Armadas de seu país encomendavam aparelhos com ele. Definitivamente, era um homem venerado por seus compatriotas, até eclodir a Segunda Guerra Mundial, em 1939.


Uma história não comprovada


Segundo alguns biógrafos, Cukurs teria se alistado a uma unidade militar nazista logo após a invasão alemã à Letônia, alcançando rapidamente um posto de liderança. Obediente às ordens de Adolf Hitler, teria sido ele um dos líderes das atrocidades cometidas em sua terra natal contra judeus, ciganos, deficientes mentais e outros.


Dados estatísticos comprovariam que o país báltico fora um dos mais mortais na Europa, registrando a morte de nove em cada dez 24 prisioneiros de guerra. Alguns historiadores defendem que Cukurs era tão impiedoso que chegou a ordenar que queimassem uma sinagoga em Riga com mais de 300 judeus dentro, isso sem falar dos 13 mil assassinados com tiros na nuca na Floresta de Rumbula e outros 1.200 afogados em um lago. Devido a essa lista cruel de atrocidades, ele passou a ser um dos homens mais procurados pelos caçadores de nazistas no pós-guerra, intitulado como o Carniceiro de Riga


Alguns relatos davam conta que Cukurs, ao final da guerra, teria se misturado aos soldados de baixa batente para fugir com a família para a França e, de lá, obtido passagens de navio para o Brasil, que escolhera como refúgio por ser grande admirador de Santos Dumont.


Passeios aéreos


O aviador chegou ao Rio de Janeiro em 1946, onde resolveu fincar as bases de uma vida nova, tentando apagar os rastros de seu terrível passado. Em terras cariocas, decidiu trabalhar com o que mais sabia fazer: aviões. Utilizando boa parte do dinheiro que trouxera, adquiriu um pequeno hidroavião, modelo Republic RC-3 Sea Bees (série 457), no qual passou a oferecer passeios turísticos na Lagoa Rodrigo de Freitas. Foi ele quem instalou naquele local o famoso pedalinho, até hoje uma atração. Cukurs permaneceu no Rio de Janeiro e também em Niterói por alguns anos, até que decidiu se mudar para Santos, onde fixou residência e passou a explorar seu negócio aéreo na Ponta da Praia.


Seus voos sobre a Baía de Santos eram concorridos e faziam a alegria dos verões no início dos anos 1950. Sua vida na Cidade era de certa forma tranquila, embora ficasse ressabiado diante das notícias sobre a prisão de ex-agentes nazistas veiculadas na imprensa. Cukurs, entretanto, não havia se escondido por detrás de nomes falsos e o Governo Federal havia lhe conferido visto de residência permanente, qualificando-o como engenheiro técnico de aviação.


Sua estada em Santos, contudo, não durou mais do que três anos. Em 1956, ele se mudou com a família para São Paulo e passou a explorar o serviço de passeios de barcos e hidroavião na Represa de Guarapiranga. Desenvolveu essa atividade por alguns anos até que, em 1965, atraído por uma possibilidade de negócios no Uruguai, acabou assassinado por integrantes da Mossad (Serviço Secreto do Estado de Israel), numa emboscada arquitetada por agentes da Metsada (espiões da Mossad). O caso ganhou repercussão internacional pela maneira brutal como fora morto um homem, sem provas cabais e julgamento.
Quem poderia imaginar que aquele heroico aviador, que fazia suas estripulias aéreas para a garotada santista, seria dono de uma história tão polêmica e teria um destino tão inusitado quanto foi um dia a convivência de uma aeronave nas tranquilas areias da Ponta da Praia? São esses detalhes curiosos da nossa história que a tornam tão empolgante.


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