Edméa Dezonne: heroína da aviação brasileira

Considerada uma das mulheres mais audaciosas de sua época, ela debutou nos céus de Santos e ganhou destaque, inclusive internacional, nas décadas de 1940 e 1950

Por: Sergio Willians  -  13/12/20  -  22:06
  Foto: Arquivo

Santos, segunda-feira, 12 de agosto de 1940. Dezenas de espectadores miravam seus olhares na direção do infinito céu azul, límpido, sereno, que brindava os santistas com uma de suas mais espetaculares manhãs de inverno dos últimos anos. Algumas pessoas estavam munidas de binóculos, outras apenas com uma das mãos a proteger os olhos diante dos raios solares, todas presentes no vasto campo da Base Aeronaval da Bocaina (atual Base Aérea de Vicente de Carvalho). E, de uma forma ou outra, tentavam acompanhar a evolução perfeita do Moth-Treiner (avião britânico, monomotor, de recreio) ao longo do estreito espaço aéreo compreendido entre as duas vetustas ilhas da velha terra de Braz Cubas. 


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Lá no alto, a cerca de 3 mil pés de altitude, o piloto em teste cumpria fielmente o protocolo de navegação e emocionava-se ao testemunhar tantos queridos amigos e familiares no solo, diminuídos em tamanho diante da distância, mas agigantados em seu espírito. O pulso vibrava forte, assim como a emoção, que lhe invadia a alma. E não era para menos, afinal a responsabilidade era enorme, não só pela prova em si, mas pelo pioneirismo que ela representava. O piloto, de mãos e feições delicadas, era Edméa Dezonne, ou melhor dizendo, Emília Edméa Dezonne Carvalho, a primeira mulher em Santos a enfrentar um desafio num campo dominado pelos homens. 


Edméa inspirou-se no exemplo de outras pioneiras da aviação brasileira, como Thereza de Marzo e Anésia Pinheiro Machado, que inauguraram, em 1922, uma seleta lista de pilotos brevetados do sexo feminino. 


O voo solo de Edméa no espaço aéreo santista tinha também outro significado. Era a primeira mulher, brasileira, a voar no mesmo espaço aéreo que Edu Chaves, piloto paulista que, em 1912, inaugurou a aviação com pilotos nativos (até então, no Brasil, só pilotos estrangeiros haviam protagonizado voos).


O Moth-Treiner pendeu para a esquerda para apontar a direção do campo de pouso, após pouco mais de meia hora de evoluções sobre a região. Edméa havia sobrevoado a cidade santista, São Vicente, a Baía de Santos e quase toda a Ilha de Santo Amaro (Guarujá), chegando a observar a foz do Canal de Bertioga e sua fortaleza. O dia limpo foi perfeito para registrar na mente da pioneira imagens que certamente nunca mais saíram de sua memória. O pequeno monomotor inglês, então, aprumou-se e pousou com leveza e perfeição, enchendo de orgulho o instrutor da dedicada aluna.


Ao taxiar até as proximidades do Hangar do Aeroclube de Santos, Edméa já podia ouvir os vivas e aplausos. E chorou ao ver os filhos lhe aguardando. Ela havia conquistado o que mais desejava.


Quem foi


Nascida em 7 de fevereiro de 1912, na cidade de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Edméa casou-se ainda adolescente com Rubens Carvalho, em 1929. Teve três filhos. Seu casamento foi, no entanto, bastante conturbado, o que culminou num divórcio. Emília, contudo, não se abateu e mergulhou nas suas tarefas como mãe e nos estudos, ingressando algum tempo depois, por concurso público, em uma vaga para o Banco do Brasil, sendo transferida para a cidade de Santos, onde se estabeleceu a partir de 1938. 


Espírito altamente progressista, viu na aviação uma espécie de válvula de escape para seus problemas. Atraída pelos anúncios sobre o curso de pilotagem do Aeroclube de Santos, não titubeou e matriculou-se. Em maio de 1940, ela começava a ter suas aulas práticas, voando ao lado de instrutores oficiais da Aviação Naval de Santos. Em 12 de agosto daquele ano, finalmente veio a chance de solar (voar sozinha), chamando a atenção de todos os santistas, pela condição de ser a primeira mulher a protagonizar o feito nos céus da região.


Brevê e carreira promissora


Em outubro de 1941, Edméa Dezonne tiraria seu brevê definitivo no Rio de Janeiro. Para isso, teve de voar diante de uma banca de jurados composta por membros do Departamento de Aeronáutica Civil (DAC) e do Aeroclube Brasileiro. Foi aprovada com louvor e ganhou o brevê número 387 do DAC, que mais tarde seria transformado no brevê 965 da Féderation Aeronautique Internacionale. 


No começo de 1942, Edméa tomou parte de uma prova feminina por ocasião dos festejos da Semana da Asa – Circuito Cruzeiro do Sul – e obteve um dos primeiros lugares. Se iniciava ali uma espécie de carreira em exibições aéreas e participação em provas, ganhando vários prêmios. 


Entre 1946 e 1947, com a Segunda Guerra já terminada, a aviadora protagonizou uma viagem para os Estados Unidos, conduzindo um HL-6. A destemida aeronauta cruzou diversas vezes o espaço aéreo da América do Sul, sobrevoando o Nordeste, Norte e Centro Oeste do Brasil, além de Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Também chegou a voar para a Europa e a África.


Náufragos do Ar


No início dos anos 1950, Edméa viveu um drama. Retornando de uma viagem ao Uruguai, seu monomotor sofreu um acidente nos arredores da cidade de Guaratuba, litoral paranaense. A aviadora ficou ferida, sozinha e perdida na mata durante sete dias. Essa aventura de Edméa fez nascer o livro Náufragos do Ar, publicado em 1954.


Em 24 de outubro de 1985, aos 73 anos de idade, Emília Edméa voltaria a ser homenageada pelas Forças Armadas, dessa vez com a medalha de Grau de Cavaleiro da Ordem do Mérito Aeronáutico.


Irmã da autora de Sinhá Moça


Uma curiosidade na biografia de Edméa Dezonne é o fato de ela ser irmã da escritora Maria Camila Dezonne Pacheco de Oliveira, autora do famoso romance Sinhá Moça, que se tornou filme de cinema em 1953 e novela, exibida pela Rede Globo em 1986, com remake em 2006. Maria Camila chegou a ser colaboradora do jornal A Tribuna.




Sobre o autor - Sergio Willians é jornalista e pesquisador da história de Santos. Conheça mais de seu trabalho em www.memoriasantista.com.br (clique aqui para acessar).


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