Digitalização de jornais é a salvação da memória

Publicações desde 1849 estão digitalizadas em projeto do Instituto Histórico e Geográfico de Santos

Por: Eduardo Brandão & Da Redação &  -  06/09/19  -  21:51
De 700 a 900 páginas por dia são escaneadas no IHGS. Trabalho pode levar anos
De 700 a 900 páginas por dia são escaneadas no IHGS. Trabalho pode levar anos   Foto: Carlos Nogueira/AT

Em páginas envelhecidas pelo tempo e pelo descaso, um rico acervo capaz de recriar os acontecimentos, costumes e o pensamento da sociedade santista a partir do fim do século 19 ainda resiste às pragas e à conservação inadequada. São fontes de informação que ganham vida no mundo digital. É um projeto do Instituto Histórico e Geográfico de Santos (IHGS), já em andamento, pelo qual se pretende digitalizar mais de 50 títulos de periódicos que começaram a circularam na região há 170 anos, completados na última segunda-feira (2).


Realizada desde julho, a ação já conta com uma base de dados com mais de 150 livros e 1.300 exemplares de periódicos digitalizados. Entre os materiais, consta a Revista Commercial, considerada o início da imprensa em Santos e uma das dez mais antigas publicações impressas no Brasil. A digitalização do periódico terminou no dia 2, que há 170 anos marcava o início de sua tiragem.


Esse jornal santista começou a circular em 2 de setembro de 1849, duas décadas depois da instalação das primeiras rotativas na cidade de São Paulo. Seu capítulo final foi escrito 1872, com a venda do parque gráfico e a extinção da publicação. A história da Revista Commercial foi publicada na edição de domingo passado de A Tribuna.


“Era um palco de debates da sociedade daquela época e instrumento de comunicados importantes, estampadas em forma de anúncios. Não existia a figura do jornalista profissional, era a informação que chegava à redação”, resume o pesquisador e jornalista Sergio Willians, um dos idealizadores do projeto.


O primeiro periódico a ser escaneado foi a Gazeta Popular, tabloide de mais de mil exemplares, editado na cidade entre 1931 e 1938. A ideia é digitalizar mais de 3 milhões de páginas dos acervos da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio (dona da biblioteca mais antiga de Santos, de 1880), da Hemeroteca Roldão Mendes Rosa, administrada pela Secretaria Municipal de Cultura (Secult), e da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams).


“É fundamental ampliar e modernizar o acesso dos nossos acervos à população”, destaca o secretário municipal de Cultura, Rafael Leal. A Revista Commercial é a que está mais próxima de ter finalizada a digitalização do que resistiu. “Faltam algumas edições. Não temos a primeira, por exemplo. E, para evitar que se percam as outras, essa ação é fundamental”, defende Willians.


Trabalho pesado


Por dia, o operador do escâner, Gustavo Tavares Ribeiro da Silva, digitaliza entre 700 e 900 páginas. A tarefa é dura. Não apenas pelo volume de material, mas pelas condições das folhas dos periódicos.


Sergio Willians conta que a maior parcela do acervo demanda cuidado minucioso para o manuseio, devido ao avançado estado de deterioração. “Não sei se esses jornais vão estar em condições em cinco ou dez anos. Ao digitalizá-los, salvam-se as informações, que é o mais precioso.”


Responsável pela análise do material digitalizado, o jornalista Silvio Bergamini diz que faltam incentivos para a recuperação dos acervos santistas. O projeto é custeado pela instituição, por meio do faturamento de um estacionamento privado nas dependências do IHGS. Os cerca de R$ 5 mil mensais arcam com o aluguel do escâner profissional e a folha de pagamento para capturar o material.


Bergamini afirma que, apesar de Santos ser um dos primeiros centros da imprensa nacional, poucas publicações estão disponíveis em formato digital. Ele avalia que menos de 10 mil páginas podem ser acessadas pelos sites da Biblioteca Nacional e do Arquivo Público do Estado de São Paulo.


Com Sergio Willians, um exemplar de periódico já extinto. Ideia é oferecer acesso ao acervo pela internet
Com Sergio Willians, um exemplar de periódico já extinto. Ideia é oferecer acesso ao acervo pela internet   Foto: Carlos Nogueira/AT

Acesso às publicações será aberto a partir de 2020

O acesso aos primeiros jornais, revistas e publicações históricas santistas digitalizadas será liberado ao público a partir de 2020. Assim preveem os idealizadores do projeto. Uma parceria com a Fundação Biblioteca Nacional, entidade ligada à Secretaria Especial da Cultura e sediada no Rio de Janeiro, permitirá a navegação pela história da imprensa de Santos.


Sergio Willians explica que, assim que uma coleção estiver digitalizada, será repassada à Biblioteca Nacional, que mantém uma hemeroteca virtual. O acordo com a entidade federal foi formalizado em junho, por intermédio da deputada federal Rosana Valle (PSB).


O material santista ficará hospedado na Hemeroteca Digital Brasileira, dona do maior banco de jornais e revistas digitalizados do Brasil e um dos maiores do mundo, com mais de 20 milhões de páginas disponíveis.


Essa parceria é fundamental, porque desonera justamente a parte mais dispendiosa, que é a conversão das páginas digitalizadas para a promoção de busca por palavras-chaves e a alocação desse repositório digital no servidor”.


Com isso, Sergio Willians afirma que se tornará mais fácil e rápido consultar o material.


O pesquisador calcula que mais de 30 milhões de páginas digitalizadas de jornais e revistas brasileiros já estão na internet. Dos jornais e revistas de Santos, diz ele, não há nem 1%.


“Isto é inaceitável para uma cidade que sempre foi vanguarda na história do Brasil e contribuiu muito para a formação da identidade nacional”, pensa.


Willians também planeja instalar terminais nas bibliotecas e hemerotecas santistas para facilitar a pesquisa dos acervos. Para isso, busca patrocínio. “As pessoas poderão fazer a consulta sem sair de casa, muitas vezes economizando tempo precioso para uma pesquisa”, afirma o secretário de Cultura, Rafael Leal.


Logo A Tribuna
Newsletter