Casal com deficiência visual reaprende a viver e se adapta a nova realidade

O amor nasceu durante um novo desafio da vida. Eles se conheceram no Lar das Moças Cegas

Por: Da Redação  -  29/10/19  -  00:07
Jaciara e Alberto se conheceram e descobriram o amor um pelo outro, para além da deficiência visual
Jaciara e Alberto se conheceram e descobriram o amor um pelo outro, para além da deficiência visual   Foto: Carlos Nogueira/ AT

Os olhos não puderam observar como Jaciara Severiana de Melo, de 67 anos, é vaidosa, mas o coração de Alberto José da Silva, de 54, logo pôde sentir que a jornada ao lado dela seria muito mais leve e especial. Eles se conheceram no Lar das Moças Cegas, há pouco mais de um mês, enquanto reaprendem a viver e se adaptam a essa nova realidade de pessoa com deficiência visual. 


Ele parou de enxergar completamente em novembro do ano passado, depois de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) afetar o nervo ótico. Foram 35 dias internado e oito meses de home care. Em casa, ficava apenas deitado e sua rotina contava com uma série de cuidados. 


Na tentativa de aprender a conviver com a nova realidade, Alberto passou a frequentar o Lar das Moças Cegas em setembro. E o avanço é incrível a cada dia que passa. “Conhecer a Jaci aqui dentro foi algo inesperado. Estávamos sempre juntos, perto um do outro. Mas não foi amor à primeira vista”, brinca ele. 


Ele diz que se adapta fácil às situações e que decidiu procurar ajuda para alcançar a independência. Tanto que lida com o assunto com muito bom humor e logo foi dispensado do acompanhamento psicológico. “A gente pensa que ninguém vê eu e Jaci juntos aqui dentro, mas as pessoas sabem e apoiam nosso namoro”, diz Alberto. 


Dificuldades 


A mesma notícia, sobre a perda da visão, teve impacto totalmente diferente na vida de Jaci. Mas, o que parecia ser o fim de tudo, tornou-se um apaixonado recomeço da vida. 


A mulher que ficou internada por três anos em uma casa de repouso para idosos passou a morar sozinha após perder a visão. Mas a superação não veio logo e contou com muito apoio. 


Um quadro de glaucoma e diabetes fez com que Jaci imaginasse por muito tempo que precisava de óculos com um grau cada vez maior. “Foi difícil lidar com essa notícia. Mas o Lar das Moças Cegas me ajudou a conviver com essa condição de outra maneira”. 


Além de ter encontrado uma casa com pessoas que a fazem crescer diariamente, com lições e carinho, Jaci ainda esbarrou no amor. “Eu me transformei. Antes, ficava só na casa de repouso. Agora, me sinto muito à vontade em estar na minha residência, mesmo sozinha. Tudo ficou melhor ainda depois de ter encontrado o Alberto. Sou uma mulher muito feliz de poder contar com ele”. 


Família é fundamental para a aceitação 


A família é fundamental durante o processo de readaptação, explica a psicóloga do Lar das Moças Cegas Rosaura Tucci. “Gosto muito de chamar os parentes para conversar. Eles precisam entender aquela realidade para conseguir ajudar da forma certa. Se colocar no lugar do outro”. 


A entidade tem 400 alunos e reforça que irmãos, pais, filhos e netos ajudam na autoaceitação da pessoa com deficiência. “O Alberto chegou bem e precisava apenas se reabilitar. Já a Jaci chegou sem perspectiva, e isso é importante para aprender uma rotina nova”. 


Rosaura, Marta e Fabiana explicam a metodologia com os 400 alunos do Lar das Moças Cegas
Rosaura, Marta e Fabiana explicam a metodologia com os 400 alunos do Lar das Moças Cegas   Foto: Carlos Nogueira/ AT

Todos os outros sentidos, como tato, paladar, olfato e audição são treinados e devem trabalhar melhor a partir do momento da perda da visão, explica Rosaura, que também é professora de expressão corporal. 


O lar 


A diretora Marta Valdívia explica que, na unidade, os alunos são chamados pelo nome e isso faz toda a diferença. “Eles são reconhecidos, se sentem importantes, além de aprenderem o básico, como braile, mobilidade e a fazer tarefas do dia a dia dentro de casa”. 


Segundo a coordenadora Fabiana Santos, os alunos têm a teoria e a prática, mas o trabalho só dá certo quando existe a continuidade em casa. “Nós trabalhamos com amor e a missão é reintegrar. Vamos para a sociedade trazer a família, as escolas e a comunidade”. 


Perseverança 


Marcos Tadeu Cruz, 49 anos 


“Entrei aqui para aprender o que não sei e reaprender o que eu sabia”, diz Marcos Tadeu
“Entrei aqui para aprender o que não sei e reaprender o que eu sabia”, diz Marcos Tadeu   Foto: Carlos Nogueira/ AT

Ele lava, passa, cozinha, limpa a casa inteira e espera ansioso para aprender a andar sozinho na rua. Há três anos sem enxergar nada, passou a se virar para ajudar a mãe nos serviços domésticos. “Eu atravessei muitos deficientes aqui nessa faixa em frente ao Lar das Moças Cegas e nunca imaginei que um dia poderia ser eu”. Um problema de saúde fez com que não pudesse mais enxergar, mas ele conta que o ajudou a ter outra percepção das coisas. “Entrei aqui para aprender o que não sei e reaprender o que eu sabia”. E o universo realmente conspirou para que ele virasse aluno na unidade. Sua dentista teve uma filha que estudou lá anos atrás e, inclusive, lhe presenteou com a bengala de sua pequena, que faleceu aos 5 anos. “É meu amuleto. Deixo guardadinha e não vejo a hora de usar”.


  


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