Carnavalescos da Baixada Santista lamentam prejuízos, mas celebram a vida: 'Saúde em 1º lugar'

Sem o Carnaval, ao menos 3 mil pessoas, envolvidas direta e indiretamente no evento, ficaram sem renda

Por: Nathália de Alcantara  -  13/02/21  -  09:33
Integrantes da União Imperial organizam o Barracão, que ainda guarda alegorias do último carnaval
Integrantes da União Imperial organizam o Barracão, que ainda guarda alegorias do último carnaval   Foto: Matheus Tagé/AT

O prejuízo ainda não foi calculado em reais, mas, por conta da pandemia de coronavírus, o mundo perdeu cultura, beleza, cor, alegria e vida sem a festa mais bonita do Brasil. Este ano, não tem barulho de bateria nem o brilho das fantasia ou a alegria nos sorrisos. Sem o Carnaval, só na Baixada Santista, ao menos 3 mil pessoas, envolvidas direta e indiretamente no evento, ficaram sem renda. Só que, apesar de tudo isso, todos falam a mesma língua sobre o assunto: foi a decisão mais sensata.


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Para o presidente da Liga Independente Cultural das Escolas de Samba de Santos (Licess), Benedito Andrade, o Ditinho,é difícil pensar nos profissionais que dependem disso para sobreviver, mas a vida é mais importante.


“Apesar do amor, da paixão que existe dentro da gente, temos de aceitar que o ano é atípico. Ainda não recebi as planilhas das escolas, mas o prejuízo foi enorme, principalmente para as que acreditaram no Carnaval até o último momento e tocaram seus projetos”.


Ditinho lembra ainda que muitos pioneiros do samba na região, além de amigos e familiares, morreram. “Temos de lembrar de todos eles nesse momento. Essa doença atingiu todos”.


Quem concorda com ele é o presidente da Unidos dos Morros, Fábio Fernandes Carvalho, o Chitinha. A escola é a atual campeã do Carnaval de Santos. “Era para estarmos com a adrenalina a mil, correndo para lá e para cá, contornando os imprevistos e resolvendo os últimos detalhes antes da sirene, mas a saúde vem em primeiro lugar”.


O presidente da União Imperial, Luiz Alberto Martins, é muito difícil não ter Carnaval para quem é amante do samba. “Não tivemos receita e temos barracão alugado para guardar carro alegórico e fantasias. Mas era totalmente inviável pensar em fazer festa este ano”.


Na casa da costureira Cleide Gouvea Teixeira, de 71 anos de idade e mais de 30 no samba, a dor é no coração e no bolso. São R$ 5 mil a menos sem o Carnaval. É ela quem faz as mais de 200 fantasias das baianas e da bateria da União Imperial.


“Agora, tenho feito máscaras para vender. Minha filha, que também costura essa produção comigo, arrumou outro trabalho para compensar essa renda. É no Carnaval que eu ganho bem em todo o ano”, diz a moradora da Vila São Jorge, em São Vicente.


No Jardim Real, em Praia Grande, Fábio Renato Pereira Aguiar, o Manguinha, chora só de lembrar que não tem Carnaval. “É um amor incondicional que começou em 1987. Cada ano é umano, é uma provação diferente. É sempre uma sensação única e o coração bate mais rápido”.


Em abril, o ritmista de 50 anos começa a pensar na festa do ano seguinte. São 160 ritmistas que precisam estar afiados na hora de entrar na avenida. “Nós somos uma família e, apesarda dor, prefiro meus ritmistas vivos do que correndo qualquer risco no Carnaval”, desabafa.


A passista Carla Sampaio, de 26 anos, está com o foco voltado para 2022. Moradora de Vicente de Carvalho, ela não abandonou a rotina de dieta e academia pensando em desfilar na melhor forma assim que a hora chegar.


“É uma tristeza enorme, porque é muito tempo de preparação e dedicação. Nós realmente damos o sangue para tudo ficar lindo e dar certo. Vamos manter a cabeça erguida e não pensar num ano perdido, mas em um ano a mais para nos superarmos”.


Arquibancada


Quem acompanha a festa das arquibancadas da Passarela do Samba Dráusio da Cruz, na Zona Noroeste de Santos, também sentiu que o clima mudou.


“Até o tempo fechou, ficou cinza e sem graça. Era para estarmos em festa, aproveitando o Carnaval na Cidade, que começa uma semana antes, e terminando a folia na Quarta-feira de Cinzas”, lamenta a moradora do prédio em frente ao local, Rosa Santos, de 53 anos. “A minha vista perdeu totalmente o sentido este ano”.


O motorista carreteiroAurélio Silva de Andrade, de 55 anos, também sentiu a diferença no ambiente.“Nessa época, tudo aqui estaria interditado. Não ter desfile prejudica muita gente, ajudava a girar a economia da região”.


Já aaposentada Edna dos Santos, de 69 anos, está ansiosa é por outra coisa. “Estou sentindo mais falta da vacina do que do Carnaval. Vinha todos os anos ver com a minha família, mas agora é pensar na saúde para curtir o ano que vem”.


Personagens


  • Ricardo Peres, 62 anos, Campo Grande, Santos

Desde 1977, ele esteve em todos os desfiles da União Imperial. Em todos esses anos, ele colecionou prêmios e a única coisa que muda é a função na escola. “São três anos na bateria, fui chefe de ala, compositor, cantor e diretor geral de harmonia”. Ricardo lembra com saudade o tempo em que “a Cidade fervia por conta do Carnaval”, conta ele. “É muito triste o que acontece este ano, mas futebol e Carnaval são as coisas mais importantes entre as que não têm importância alguma na nossa vida. A gente se adapta, porque a vida é fundamental”.


  • Wallacy Vinicyos, 36 anos, Madureira, Rio de Janeiro

A tristeza de não poder ter levado cultura e arte para as pessoas este ano tomam conta do carnavalesco, que tem na bagagem 18 anos na função. “Além de não ter a maior festa de áudio visual da Terra, sinto por todos os amigos e profissionais da área que, assim como eu, estão sem conseguir se manter”. Ele explica que a preparação para o desfile leva, no mínimo, três meses. “Envolve pesquisa, desenvolvimento, criação e muito mais. Para muitas pessoas, o Carnaval é só em fevereiro. Para nós, que trabalhamos nos bastidores, é o ano todo”.


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