Café Carioca: Um ícone faz 80 anos

Artistas, atletas, políticos, incontáveis anônimos: décadas de histórias no comércio do Centro de Santos

Por: Rosana Rife & Da Redação &  -  31/08/19  -  23:33
Imóvel número 1 da Praça Mauá, no Centro de Santos, é espaço para encontros e comemorações
Imóvel número 1 da Praça Mauá, no Centro de Santos, é espaço para encontros e comemorações   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Praça Mauá, 1, Centro. Não é um simples endereço, mas uma tradição. Cada cantinho do Café Carioca contém uma lembrança para quem já passou por ali. O local é quase um ponto turístico em Santos.


“É a mesma coisa de ir a Roma e não ver o papa”, diz, em tom de brincadeira, Antônio Soares da Costa, um dos atuais donos.


Não é para menos: são 80 anos fazendo parte da história de Santos e do País. Pelas mesas do estabelecimento, já circularam artistas, atletas, políticos famosos no cenário nacional.


  Foto: Alexsander Ferraz/AT

Não há candidato a cargo público que passe pela região sem parar para degustar os tradicionais pastéis do Carioca. 


“Não presenciei, mas muita gente veio aqui. Presidentes, tem Getulio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart... e os mais recentes, Lula e Dilma (Rousseff). Governadores, todos. Saiu candidato, tem que passar aqui, senão, não se elege”, ri Soares. 


E um deles ajudou a expandir a fama. “O ex-governador Mario Covas foi nosso garoto-propaganda. Ele se referia ao pastel como de recheio generoso. Isso foi para a mídia. Aí, já viu.” 


Ele conta que, toda vez que pisava na Cidade, Covas parava lá. “Quando não vinha, pedia para um secretário buscar, e ele levava para a Capital de 120 a 150 pastéis por viagem.” 


O ex-governador tinha um quitute preferido. “Covas gostava do pastel de carne. Já o (Orestes) Quércia (também ex-governador), gostava do de queijo”, revela o proprietário. 


O cardápio, porém, é vasto, assim como a conversa com Soares. É ele que nos leva ao início de tudo. Foi em 24 de novembro de 1939 que nascia um dos pontos mais badalados da região central. Inicialmente, em um espaço menor, onde hoje funciona a cozinha do estabelecimento.


Instalado ao lado da Prefeitura e, por muitos anos, também da Câmara Municipal, foi palco de conversas, acordos e comemorações. “Sempre foi considerado um Senadinho. As articulações políticas começavam aqui. Ao final das sessões, ocorria a reunião dos parabéns.”


Mas não só de política são feitos os encontros. O Café Carioca também serviu e serve de cenário para comerciais e filmes. “Eu mesmo já participei de gravações”, declara Soares, revelando um lado de ator.


Cantando ‘parabéns’


Os 80 anos estão sendo saboreados pelos donos e funcionários desde agora. Mas as velinhas serão apagadas mesmo em 24 de novembro, data oficial do aniversário do Café Carioca.


“Completar 80 anos é gratificante, uma emoção muito grande. As quatro famílias a quem o Café Carioca pertence hoje já não o têm mais como um negócio. Isto aqui virou um caso de amor”, comenta Soares.


Essa relação amorosa será mantida pela terceira geração. O filho dele, Marcelo Mineiro da Costa, que trabalha há dez anos na casa, assumirá o comando geral. 


“Eu cresci aqui. Vi meu avô e meu pai trabalhando. É um orgulho. Quero que, comigo agora à frente do negócio, ele dure mais 80, quem sabe mais 100 anos”, diz Costa.


Do sanduíche de tender ao pastel, sucessos e números misteriosos


O sanduíche de tender, fatiado bem fininho, foi o carro-chefe do Café Carioca por muito tempo. “O Serafim (de Almeida Ratto) era o catedrático dos lanches. Ele conseguia fazê-lo usando uma faca maior e outra menor para desossar o tender e fatiá-lo muito fininho. Era um sucesso”, diz Antonio Soares da Costa, um dos proprietários do local.


  Foto: Alexsander Ferraz/AT

Nos anos de 1960, o lanche foi perdendo espaço para o tradicional pastel. Os queridinhos são os de carne e queijo. O último a ser incluído no menu foi o de carne seca com catupiri, que também caiu no gosto popular. 


Os segredos nem de longe ele revela, menos ainda o número de pastéis vendidos diariamente. “Mas, nesses 80 anos, daria para dar a volta ao mundo, não sei quantas vezes, se eles fossem enfileirados”, brinca.


Dedicação para o sustento da casa. E com a família bastante perto


O Café Carioca tem 26 funcionários. Muitos dedicam quase a vida toda ao estabelecimento. É o caso de Domingos Lima dos Santos, de 48 anos, que está contratado há 23.  “Aprendi muito. É daqui que tiro o sustento da família há anos. Tenho muito orgulho de fazer parte dessa história”, afirma.


Domingos
Domingos   Foto: Alexsander Ferras/AT

Tanto que Domingos trouxe o sobrinho para trilhar o mesmo caminho. Rodrigo dos Santos, 26 anos, saiu de Ribeira do Pombal, na Bahia, há dez meses. 


Encarou uma viagem de 40 horas de ônibus para não perder a oportunidade. Atua ao lado do tio e compreende o sentimento dele pela profissão que desempenha. “Tinha curiosidade pelo trabalho dele. A experiência está sendo boa, e trouxe minha mulher e meus dois filhos faz três meses.”


Aposentada sai de Mongaguá para saborear o carro-chefe do Carioca


A tradição do Café Carioca não se construiu à toa. Quem experimenta não cansa de elogiar. É o que conta a aposentada Dirce Lopes, 80 anos. Ela mora em Mongaguá e, pelo menos três vezes por mês, vai a Santos para degustar um pastel.


“Meu preferido é o de carne. Venho aqui há 30 anos. Mudei para o Litoral Sul e, sempre que dá vontade de comer, pego um ônibus só pra degustar o pastel.”


  Foto: Alexsander Ferraz/AT

O motorista Rayner Christian Fagundes dos Santos tem 41 anos e diz que aprendeu a apreciar a iguaria aos 13. “Comecei a trabalhar e a gente vinha tomar lanche aqui.”


Foi em um passeio com a avó pelo Centro que o músico Bruno Soares, de 29 anos, conheceu o pastel do Carioca, como muita gente se refere ao carro-chefe da casa. “Ele é bem recheado e muito gostoso.”


História 


O Café Carioca foi fundado por Manoel de Paiva Fernandes. Ele chegou a vender o ponto quando ainda funcionava na Rua D. Pedro II, 16, a via lateral do estabelecimento. Depois, acabou adquirindo o café de volta, com a participação dos sócios Serafim de Almeida Ratto e Arlindo Quaresma. Em 1945, eles decidiram comprar a loja vizinha, passando à localização atual. Em 1973, Antonio Maneira da Silva também se uniu ao grupo. E, atualmente, a configuração permanece, com os proprietários Carlos Alberto de Almeida, Antônio Soares da Costa, José Rodrigues, o Pepe, e Marcos Gregório.


Origem do nome


Há duas versões para o nome do estabelecimento. Na primeira, o fundador, o português Manoel de Paiva Fernandes, criou a marca por causa de um de seus irmãos, que ficou no Rio de Janeiro quando a família se mudou para o Brasil. Ele se referia a ele nas conversas como o irmão carioca. Surgiu, assim, o Café Carioca. Na segunda versão, a inspiração seria o momento de expansão do Porto, que trouxe muitos engenheiros e técnicos do Rio de Janeiro para o Município. “E os nossos fregueses daqui diziam: ‘Vamos com os cariocas tomar um café’. É a versão que sustento”, afirma Antônio Soares da Costa, um dos atuais donos.


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