Atendimento ao SUS será prioridade na Santa Casa de Santos, diz provedor

Reeleito para gestão 2020-22, Ariovaldo Feliciano detalha planos para reforçar o atendimento público no maior complexo de saúde da região

Por: Eduardo Brandão  -  05/02/20  -  18:34
Santa Casa de Santos promove eventos, mas aposta em conseguir mais dinheiro com atendimento privado
Santa Casa de Santos promove eventos, mas aposta em conseguir mais dinheiro com atendimento privado   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

Reeleito provedor da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos para o próximo biênio (2020-22), Ariovaldo Feliciano, pretende reforçar o atendimento público no maior complexo de saúde da região. Contudo, o gestor cobra nova repactuação nos repasses públicos, com adesão das demais cidades, responsáveis por 46% das atividades no local. Apesar de uma situação financeira mais favorável que no passado, ele não descarta encerrar serviços de alta complexidade caso as contas fiquem no vermelho. 


Como está a situação financeira da Santa Casa?
A Santa Casa é um termômetro: quando ela vai bem, a saúde na cidade vai bem; e quando vai mal, claro, a qualidade no município tende a cair. Começamos a nossa gestão, há quatro anos, com um hospital com R$ 400 milhões em dívida e um déficit mensal de R$ 5 milhões. Em três meses, zeramos o déficit. Isso foi em razão de um choque de gestão para colocar a casa em ordem. Fizemos parceria com empresários para modernizar os equipamentos. 



Como o sr. assumiu o hospital?
Herdamos equipamentos sucateados. Tomografia, por exemplo, estava quebrada e desatualizada. Não tínhamos ressonância magnética. Imagine um hospital dessa importância sem esse tipo de equipamento. Então, equipamos tudo. E hoje, a Santa Casa pode ser considerada um dos melhores hospitais do Estado de São Paulo. 



E como sanou as finanças? 
Fomos a fundo nos problemas financeiros. Identificamos onde estavam vazando os recursos. Agimos com rigor no fechamento desses gargalos, ao importo respeito (aos recursos financeiros) aqui dentro. Isso foi o grande passo para se equilibrar as finanças. 


Como isso foi possível?
Houve a modernização dos processos de compra e na gestão de almoxarifado. Hoje, não existe mais um medicamento ficar trancado numa gaveta. São máquinas automatizadas, que depende do crachá (do profissional) para a liberação do medicamento. Tudo está informatizado. Com isso, fecharam-se os escoamentos de valores, produtos. É um tipo de modernização que não existe em nenhum equipamento da Baixada. Somos constantemente visitados por representantes de Santas Casas de diversas regiões para conhecer os nossos sistemas de gestão e logísticas de medicamentos, compras e no centro cirúrgico. E todas as compras são meio de pregão eletrônico. 



Sobre os desafios para o futuro?
Pretendemos, de imediato, melhor equipar o setor de nefrologia. Os planos são de adquirir mais 50 máquinas de hemodiálise. Com isso, dobraríamos a atuação, com três turnos. Serão 300 pacientes atendidos por dia, resolvendo o problema da Baixada Santista nessa especialidade. A ideia é concentrar 80% (dos atendimentos) pelo SUS. Outra medida, já nesse mês, dar início à reforma do velório, para ofertar melhores condições àqueles que vêm aqui velar seus familiares. 



Um gargalo regional é o tratamento oncológico. Como reverter?
Pretendemos avançar na construção da segunda casamata para abrigar o novo acelerador linear, que é a radioterapia. Trata-se do mais moderno equipamento desse tipo, que já importamos. No Brasil, há apenas um modelo similar em operação, no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. Para tirar essa obra do papel, precisamos de recursos do Estado. Pedimos ao governo paulista os recursos porque será atendimento 100% SUS. 



Com isso, evitaria que pacientes fossem buscar tratamento em São Paulo? 
Posso falar pela Santa Casa, se nós tivéssemos ajuda do Estado para radioterapia, resolveria o problema da oncologia. A região sofre nessa área porque apenas a Beneficência Portuguesa tem equipamentos. Houve um movimento do governo federal para a compra do acelerador, com contrapartida de R$ 700 mil da Santa Casa. O presidente Jair Bolsonaro liberou R$ 1,2 milhão para compra de equipamentos de medição de radioterapia. Mas, nem o Estado nem o Município demonstraram interesse em ajudar nesse programa. Corremos o risco de não conseguir instalar o equipamento pela ausência do Estado. Recebemos três memorandos (do Estado) nos cobrando o início do atendimento, em momento algum houve a preocupação de como estávamos nos virando para resolver isso. 



Ainda há risco de se encerrar atendimentos pelo SUS? 
Houve um pedido do ministério da Saúde para que não se reduzisse o número de atendimento no SUS. Inclusive com a promessa de se ‘dar um jeito’ na situação. Mas, até hoje, não houve mudança. E também não reduzimos o volume no atendimento. 


Mas não se descarta essa possibilidade? 
O dia que o prejuízo afetar as finanças da Santa Casa, eu encerro (atendimentos). Não vou fechar o hospital (por falta de recursos SUS), sendo que (O Estado) manda dez, quinze milhões para os Estivadores, Irmã Dulce, mas o paciente é atendido na Santa Casa. 


Situação que se agrava sem correção nos repasses SUS.
A nossa contratualização está infinitamente aquém da necessidade. A Santa Casa é uma referência regional em alta complexidade, que atende quase toda a demanda. E não somos reconhecidos nem pelo Estado e nem pelos municípios da região. Praia Grande foi a única cidade que teve a sensibilidade de reconhecer que a Santa Casa tem capacidade para resolver demandas do município. Os demais, não: eles querem que a gente atenda, sem a contrapartida. Também tivemos redução no repasse do (programa) Santa Casa sustentável e deixamos de receber recursos do Pró Santa Casa, que serve para serviços não contemplados pela tabela SUS.



Como é feito esse cálculo?
Por estar em Santos, todo o cálculo de repasses é feito com base (a população da) Cidade. Contudo, nos 10 últimos anos, 46% de todo o nosso atendimento é regional. E isso não é levado em conta no cálculo. A disparidade é brutal em relação aos demais hospitais (estaduais) da região. Temos o maior volume de leitos SUS disponíveis e a menor remuneração proporcional. 



Como reverter? Existem modelo de contrato nesse formato?
Algumas regiões metropolitanas adotaram o modelo de consórcio, na qual as cidades se juntam e compram serviços do hospital. Aqui não. Santos coloca a sua parte da fonte do governo federal, mas aquém da demanda regional. Os demais municípios não se preocupam com isso, querem apenas vagas. Somos o hospital que menos recebe (verbas públicas) da região. Se os municípios não se unirem, fica difícil fechar as contas. 



Existe outra forma?
O modelo de consórcio intermunicipal poderia ser capitaneado pelo Estado via DRS. Há ainda o bipartite, no qual se recebe metade da verba do Estado e metade do município. A mudança do modelo de gestão não depende da gente, tem que vir do poder público. Para atender a região, e em um raciocínio grosseiro, há a necessidade de se dobrar o volume de repasses. 



Há uma movimentação da Santa Casa para propor isso? 
Procuramos várias vezes, e vamos continuar procurando para que o Estado chegue a igualar a conta. A Santa Casa não visa o lucro, o hospital é filantrópico. Mas para se fazer filantropia não podemos ter prejuízo, não se pode quebrar ou fechar as portas. 



Quais os desafios da Santa Casa de Santos para os próximos dois anos?
Melhor equipar e modernizar as alas SUS. Serão sete alas que abrigam 200 leitos, sendo que já modernizamos 100 leitos na gestão passada. Entre o final de fevereiro e início de março, devemos entregar a segunda ressonância magnética que será aberta para pacientes que sofrem de claustrofobia. 



Há planos para o imóvel que abrigou o Escolástica Rosa? 
Santa Casa não pretende vender ao casarão e a capela. Podemos negociar o terreno. Temos estudos de restauração completa desses imóveis, que são patrimônio da Cidade. Avaliamos parceria com a iniciativa privada, pois não temos como arcar com os R$ 70 milhões para essa reforma. Em contrapartida, o investidor vai querer algo, como o entorno. Isso pode ser feito sem que tire da Cidade a imagem do Escolástica Rosa. 


Como resolver os entraves regionais no setor? 
Pelo que se vê na rede pública, há falhas. Os gestores públicos precisam acionar o Estado, União para conseguir verbas e melhorar a situação da saúde nos municípios. As cidades não estão enxergando o próprio buraco. Falta uma visão sobre as deficiências locais e uma ação para cobrir. Aquilo que não se consegue, deve se procurar fora. Infelizmente, a estrutura de União, Estado e município não dá cobertura. Isso é uma medida que resolve um problema imediato. Num segundo momento, verificar o que se pode adotar no município, buscar convênios para prestar um atendimento adequado. Alguns gestores das cidades estão sendo negligentes quanto à saúde, comprometendo a população. Sem outra alternativa, se socorre na Santa Casa de Santos, que é a única capaz de prestar esse atendimento. 


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