A dor e o amor impressos no asfalto

Filha de idoso morto de forma trágica, em Santos, pinta no local do acidente mensagens para homenagear a memória do pai

Por: Arminda Augusto & Da Redação &  -  05/07/19  -  13:03
Amor e agradecimento em homenagem ao pai, no exato local em que ocorreu a morte, na Pompeia
Amor e agradecimento em homenagem ao pai, no exato local em que ocorreu a morte, na Pompeia   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

Passava um pouco das 6 horas da manhã quando o interfone tocou no apartamento 64. Era o porteiro dizendo para o Marcio ou a Rosângela descer porque alguma coisa tinha acontecido com o “seu” Zezinho.


“Seu” Zezinho era José de Oliveira Valdeger, de 86 anos, conhecido na praia como o “Zezinho porteiro do Clube Caiçara”. Naquela manhã chegou ao fim a rotina de corridas na praia que ele manteve por quase toda a vida. E terminava de forma trágica: atropelado na faixa de segurança por um bandido que havia acabado de roubar uma moto.


Em forma de homenagem, o capítulo final da história do seu Zezinho está desde a noite de quarta-feira (3) estampado no asfalto da avenida da praia, na Pompeia, esquina com a Rua Olavo Bilac, no exato local onde ele morreu na sexta-feira passada.


Nesta quinta-feira (4), após a missa de sétimo dia, a família e amigos caminharam até esse trecho da orla e soltaram balões brancos.


Esportista


Mesmo aos 86 anos, seu Zezinho ainda mantinha a agenda esportiva de acordar 5h30 todos os dias e sair sozinho para correr. Por orientação da filha, Rosângela de Paiva Valdeger, estreitou o circuito para entre os canais 1 e 2. “Assim, se ele demorasse a chegar, iria procurá-lo apenas nesse trecho”.


Naquela manhã de sexta, nem foi preciso ir procura lo. Como todos o conheciam, logo vieram avisar. Rosângela não teve coragem de ir até o local do acidente, onde o corpo do pai ficou estendido por mais de quatro horas à espera do IML.


Foi o genro, o ambulante Marcio Ferraz dos Santos, conhecido na orla como Saúva, que se encarregou de reconhecer o corpo do sogro e esperar pela remoção. “Fiquei fora de mim por muito tempo. Não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo”.


O bandido, machucado, foi levado pelo resgate e agora está preso, indiciado por homicídio culposo. Havia sido solto uma semana antes.


Seu Zezinho, de 86 anos, mantinha a rotina de corridas na praia
Seu Zezinho, de 86 anos, mantinha a rotina de corridas na praia   Foto: Reprodução

Pedidos atendidos  


Seu Zezinho nasceu em Mossoró (RN), casou com dona Edith e teve três filhos. Rosângela é a mais velha e era com ela que o casal vivia há quatro anos.


Trabalhou como porteiro por quase toda a vida. Primeiro no antigo Parque Balneário Hotel e, mais tarde, na portaria do Caiçara Clube.


Rosângela conta que a paixão pela corrida era antiga. Na casa, ainda mantém as dezenas de medalhas que o pai colecionou ao longo da vida, muitas, inclusive, dos 10 KM Tribuna FM.


“Ele parou de correr essa prova há uns poucos anos, porque dez quilômetros já eram um pouco puxado”.


A rotina diária incluía, ainda, passeios coma cadela Ligia, que como todo o restante da família, está sentindo a falta dele. “Ainda não conseguimos acreditar no que aconteceu”.


O conforto da família, agora, é saber que ao menos os dois pedidos que seu Zezinho sempre “fez a Deus” para o momento da morte foram atendidos. “Ele dizia que não queria dar trabalho a ninguém e queria morrer com saúde”.


No asfalto da avenida da praia, as frases pintadas fazem referência ao que Rosângela queria ter dito ao pai. “A gente passa a vida inteira com uma pessoa e esquece de dizer o quanto a ama. Deveria ter dito isso mais vezes. E o quanto sou grata a ele por tudo que me fez durante a vida. Eu deveria ter dito mais tudo isso a ele”.


Enquanto a chuva e a passagem dos carros não desfizerem a tinta, estará lá registrado o recado para seu Zezinho: “Pai, você está vivo em mim. Obrigada. Te amo”.


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