Pouco mais de 400 metros separam as cidades de Santos e Guarujá, no litoral de São Paulo, pelo estuário. Apesar da proximidade, o trajeto equivalente a quatro quarteirões requer paciência, afinal, a travessia pelo sistema de balsas da estatal Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa) pode levar até uma hora ou mais, conforme o fluxo de veículos.
Dependendo do dia, é possível ir de Guarujá até a capital paulista no mesmo tempo que se leva para chegar até Santos pela balsa.
Enquanto a construção de uma ponte não sai do papel, a alternativa para fazer a ligação entre as duas cidades é a Rodovia Cônego Domênico Rangoni, também conhecida como Piaçaguera. O problema é que, nesse caso, os 400 metros se transformam em 57 km. A opção dos motoristas é, basicamente, enfrentar um caminho maior e chegar mais rápido ou ter paciência e esperar.
Motoristas
"Desgaste físico e mental, prejuízo de tempo e dinheiro e danos ao veículo" são alguns dos problemas citados pelo técnico eletrônico Rubens Galvão, de 59 anos, que faz o trajeto entre Guarujá e Santos há 35 anos. "Algumas vezes, saí da fila da balsa para ir pela Piaçaguera devido à imensa demora", conta.
Em sua avaliação, o serviço piorou ao longo dos anos. "Essas balsas sempre trouxeram problemas, mas agora está muito pior, insuportável".
Ele diz que se sente envergonhado e desprezado pelos governos, que não resolvem a situação. "O número de habitantes e turistas cresceu demasiadamente, mas os serviços não acompanham, só piorou. Estamos diante de governos fracassados que não fazem a lição de casa".
Pedestres
Mas não são apenas os motoristas que passam por situações de desgaste. Para quem depende do transporte coletivo, o trajeto requer ainda mais paciência, afinal, é preciso ir até Cubatão e, então, pegar mais um ônibus porque não há uma linha que siga diretamente até Santos.
Mas o custo nem sempre é viável para os munícipes, como no caso do estudante Gabriel Bio Guerra, de 17 anos, que mora em Guarujá e estuda em Cubatão.
Ele conta que prefere fazer o trajeto pela balsa, que custa R$ 3,10, porque acaba se tornando mais barato. Se fosse de ônibus, além de levar mais de 2h para chegar à escola, ele gastaria R$ 17,50 com a tarifa, somando a ida e a volta.
Mas a opção mais econômica tem seus desafios, afinal, ele precisa percorrer uma parte do trajeto de bicicleta, em seguida de barca e depois a pé, para só então tomar um ônibus.
"Sinto-me ridicularizado quando ouço pessoas falando que o tempo para me deslocar entre a Baixada Santista é basicamente o mesmo tempo necessário para subir a serra e chegar a São Paulo, com cerca de 1h30 de trajeto", lamenta.
Gabriel conta que prefere a travessia por Guarujá porque a outra opção, via Vicente de Carvalho, é mais demorada. "A que eu uso é bem rápida, não passa de 15 a 20 minutos. Já a de Vicente de Carvalho ultimamente anda tendo uma hora de espera entre as barcas", diz.
Em entrevista ao G1, o próprio presidente da Dersa, Milton Persoli, admitiu que a travessia de pedestres e ciclistas entre o distrito de Vicente de Carvalho e o Centro de Santos opera no limite da capacidade.
Ciclistas
Ao contrário de Gabriel, que sempre deixa a bicicleta em Guarujá e utiliza a balsa somente como pedestre, a faxineira Angela Maracajá, de 37 anos, costuma embarcar como ciclista. "Tem dias que demora mais de 40 minutos porque é uma balsa só para bicicleta", diz.
A ideia é economizar indo de bicicleta, mas ela conta que isso nem sempre é possível porque a travessia como ciclista costuma ser mais demorada do que como pedestre – o que faz com que ela acabe chegando atrasada no trabalho. "Tem dias que compensa mais deixar a bicicleta em Guarujá e pegar o [ônibus] municipal em Santos".
Segundo a Dersa, o volume diário médio na travessia entre Santos e Guarujá é de 212 pedestres, 8.769 ciclistas e 20.564 veículos. Apesar dos problemas relatados pelos munícipes, a estatal afirma que as manutenções das embarcações têm ocorrido de forma integral e são realizadas de modo preventivo e corretivo.
Recentemente, o Governo do Estado declarou que deu inicio aos estudos sobre a concessão do serviço de balsas à iniciativa privada. A medida promete modernizar o sistema e a expectativa é que o edital de concessão seja lançado até o início de 2020.
A sonhada ponte
Para Gabriel, a construção de uma ponte entre Santos e Guarujá é vista como um ‘sonho’. "Uma solução boa seria a famosa ponte, mas é apenas um sonho. Assim, o volume de carros para ingressar em Santos via balsa diminuiria drasticamente", afirma.
O que ele chama de sonho, na verdade, é um projeto que tem cinco vezes a sua idade, afinal, o primeiro plano para ligar as duas cidades foi elaborado há 92 anos pelo engenheiro e arquiteto Enéas Carneiro.
A ligação também beneficiaria a faxineira Angela, que diz que seria ótimo se a ponte permitisse a passagem direta de ônibus até Santos. "Depender da balsa é horrível".
Na visão de Rubens, se sair do papel, a ponte entre Santos e Guarujá permitirá que as cidades sejam vistas como uma só, em relação à liberdade de ir e vir.
"Haverá grande desenvolvimento econômico na região, barreiras serão quebradas, negócios serão ordenados de forma rápida e eficiente, com segurança nos investimentos", finaliza.
Nesta semana, de segunda a sexta-feira, A Tribuna On-Line e G1 publicarão, em parceria, reportagens especiais sobre os problemas da travessia de balsas entre Santos e Guarujá e suas possíveis soluções.