Saúde & Economia: A conta que fecha

Recuperação econômica plena passa pela coordenação de medidas sanitárias, se e quando necessárias, com suporte ao setor produtivo

Por: Ronaldo Abreu Vaio & Da Redação &  -  21/03/21  -  22:21
Adriana Marangoni mora há cinco em Auckland, Nova Zelândia
Adriana Marangoni mora há cinco em Auckland, Nova Zelândia   Foto: Arquivo pessoal

Santos, 17 de março de 2021, uma quarta-feira da fase emergencial do Plano São Paulo. Cena 1: em uma via do Marapé, bombonière, aberta, em cartaz avisa: ‘entra um de cada vez’. Cena 2: Rua Carvalho de Mendonça, Campo Grande, a loja de bolos, escancarada, organiza o acesso em placa: ‘fila única’. Cena 3: na Avenida Epitácio Pessoa, no Boqueirão, loja de cosméticos, aberta, ao menos mede a temperatura de quem entra. No mesmo trecho, quase em frente, na loja de utilidades domésticas, até há um cartaz de ‘proibido entrar’ – mas a restrição vale apenas para os cachorros.


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Pela Cidade, as cenas se sucedem, seja nas quatro pessoas aglomeradas esperando um marmitex na porta da lanchonete; na loja de lustres e decorações que até promove um ‘sale’ no grande cartaz exposto na vitrine; ou no restaurante que nem sequer abriu mão de algumas mesas, e em uma larga faixa anuncia o prato executivo do dia.


“Tenho dois funcionários, pago R$ 2,5 mil de aluguel. Fiquei com a loja fechada 40 dias no ano passado. Quando reabri, o que me salvou foi o Dia das mães (de 2020)”, justifica uma comerciante sobre a decisão incômoda de descumprir a lei. Ela está há 27 anos no ramo da floricultura.


“Fica difícil pagar as contas. Se fosse alugado (o imóvel), já teria fechado”, comenta outro comerciante, de uma pequena loja com artigos de informática. “A única solução é o governo ajudar. Se é obrigado a fechar, vai passar fome?”


Como eles dois, entre a cruz e a espada, muitos comerciantes têm feito exatamente esse cálculo: se for para passar fome, a opção é abrir o comércio, mesmo sob o risco de ser autuado – e de ajudar a propagar o vírus e o flagelo da doença.


Contudo, segundo especialistas, a questão não é, nem nunca foi, escolher entre a saúde ou a economia, como vem sendo propalado. Mas ambas devem ser abarcadas de maneira coordenada pelos governos. Assim, se for necessário um lockdown para frear o vírus, é preciso também oferecer as condições para minimizar os impactos econômicos dessa medida.


Atitude perversa


“É praticamente impossível pensar em lockdown sem garantir renda e proteção, às pessoas e às empresas”, resume o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e atualmente assessor técnico do Fórum das Centrais Sindicais.


Com as UTIs quase esgotadas, no momento em que cresce a pressão sanitária pelo lockdown em praticamente todo o País, é também quando o Governo Federal deveria agir de maneira mais incisiva para minimizar o impacto na economia. “Acabamos com os programas que tínhamos o ano passado (redução de jornada e salário, auxílio emergencial), e que foram implantados somente após pressão social”.


Ignorar as necessidades sanitárias, como o eventual fechamento completo, tendo como justificativa uma suposta defesa da economia, é uma tática suicida, avalia Clemente. “Essa atitude tem consequências mais perversas para a economia do que um lockdown”.


Para ele, países que adotaram rígidos protocolos de restrições já estão conseguindo uma boa performance econômica. Nesse sentido, um exemplo é a Nova Zelândia, que implantou um severo lockdown no início da pandemia. Hoje, já retomou a vida normal.


Queda menor


O economista Paulo Henrique Duarte, da Valor Investimentos, enfatiza que os países foram atingidos pela pandemia em momentos econômicos diversos, o que influencia a capacidade de atuar na crise do vírus. No caso do Brasil, era um momento de expansão, mas ainda frágil.


Mesmo assim, ele afirma, em um primeiro momento, o País investiu para dar suporte às empresas e à assistência social. “Dentre os emergentes, o Brasil foi o que mais despendeu, foram 8% do PIB”, calcula. “Isso teve efeito positivo: a economia encolheu 4%, melhor do que as expectativas. Na zona do euro, os PIBs caíram mais”. Ele credita esse resultado, considerado positivo em vista das circunstâncias, como fruto, principalmente, do auxílio emergencial.


Paulo concorda que os países com a combinação de lockdown severo e suporte econômico no ano passado têm hoje uma expectativa econômica melhor. Além disso, a imprevisibilidade do Governo Federal é outro fator que agrava tanto a pandemia, quanto a economia.


“O discurso errático do governo, que não estabelece de forma clara o que vai ser feito e o que virá de proteção, cria instabilidade. Os empresários adiam decisões e param de comprar insumos e produzir. As pessoas seguram o dinheiro”.


E encerra, com a esperança de todos, também para a retomada: a vacina. “A gente vê em países como Israel, com 75% da população vacinada, a dinâmica econômica voltando a acontecer”.


Medidas


As medidas econômicas devem seguir dois caminhos, em momentos distintos, segundo o sociólogo Clemente Ganz Lúcio: para amenizar os impactos e estimular a expansão.


Para amenizar os impactos, cita o auxílio emergencial para as pessoas vulneráveis (já aprovado pelo Congresso para 2021, mas em valores inferiores aos de 2020) e o pagamento de salários para desonerar as empresas.


Também defende a suspensão ou expansão de prazos para o pagamento de dívidas. E programas para setores especialmente atingidos pela pandemia, como o turismo e a cultura. “No momento em que se dá a saída (para a crise), a população para de circular”.


Para estimular a economia no pós-pandemia, prega que se consultem os setores de capital e trabalho para mapear onde estão os problemas e as necessidades, onde é preciso crédito ou assistência.


Sugere, como fez a Argentina, uma reforma tributária emergencial, para taxar as pessoas mais ricas e reduzir o endividamento público. “Em um país com a desigualdade que tem, essa seria uma opção para financiar as dívidas ou captar recursos para investir na retomada de obras ou em setores específicos”.


Prefeitura


Os donos de estabelecimentos comerciais que descumpram as regras em Santos recebem primeiro uma intimação para se adequar. Em caso de desobediência, a multa é de R$ 10 mil, dobrando em caso de reincidência. Se insistir na infração, o local é embargado. Desde o início da pandemia, até quinta-feira, foram lavradas 517 intimações e aplicadas 57 multas. Essa fiscalização é realizada pela Secretaria de Finanças, com 50 fiscais.


Espanha


A mestre em Economia e Inovação Mariana Torres Alvarez Moraes, 30 anos, está há quatro com o marido e as filhas morando na Espanha, um país cuja estrutura de governo é semelhante à brasileira: ela mora na cidade de Vigo, que fica na província da Galícia, como se fosse um estado autônomo. Ela conta que o combate à pandemia, tanto na parte sanitária quanto econômica, levou em conta essa autonomia.


Assim, houve diferentes graus de restrição nas províncias, que também organizaram ajuda aos chamados autônomos – o equivalente aos nossos microempreendedores. Nas indústrias e empresas, houve o que Mariana chama de ‘licença laboral’, com o governo central assumindo parte dos salários para que as pessoas ficassem em casa. “O suficiente para sobreviver”. A prioridade foram empresas pequenas – as de tecnologia, por exemplo, cuja prática do home office é mais fácil, ficaram fora. “Há uma articulação melhor do governo daqui do que no Brasil”, comenta.


Setores como turismo e cultura receberam atenção especial. “As pessoas receberam valores em dinheiro para consumir em restaurantes e eventos locais de cultura”, conta. Porém, nem tudo são flores: no final do verão passado, com a segunda onda, a vida foi de novo fechada. A esperança, agora, é a vacinação, que começou em janeiro e já chega a quem tem 55 anos. “A previsão é que até o final do verão todos estejam vacinados”.


Adriana Marangoni -35 anos, mora há cinco na em Auckland, Nova Zelândia, e trabalha em um pet shop “Há mais de um ano de quando tudo começou por aqui, só o que eu posso é agradecer por estar em um lugar tão privilegiado! A nossa querida ministra Jacinda (Ardern, primeira-ministra) agiu com rapidez e tolerância zero quando apareceram os primeiros 28 casos. Resolveu fechar o país e, cinco dias depois, adotou o lockdown.Todos os dias ela falava ao vivo na tevê, no mesmo horário, atualizando o que estava acontecendo. Com seu carisma, pulso firme e clareza nas palavras, nos fez sentir amparados. Houve ajuda financeira para todos os pequenos e grandes negócios e cortou-se 20% dos salários do gabinete por seis meses. Eu recebi durante sete semanas o equivalente a 70% ou 80% do meu salário. Sempre rastrearam possíveis contatos do contaminado, em vez de esperar o doente chegar ao hospital. Eu mesma já recebi uma ligação do Ministério da Saúde pedindo que fizesse o teste, pois frequento a academia de um dos casos que surgiram... Enfim, na data atual, seguimos a vida normalmente, apenas com a obrigatoriedade de máscara no transporte público e voos domésticos”


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