'Quando a velhice chega, já estamos estruturados para fazer escolhas', diz Suely Tonarque

Pedagoga, psicóloga e gerontóloga é autora do livro "Vestir – com os desafios do envelhecimento"

Por: Ivani Cardoso & Colaboradora &  -  13/01/20  -  13:59
Suely Tornaque fala sobre os desafios do envelhecimento
Suely Tornaque fala sobre os desafios do envelhecimento   Foto: Reprodução/ Facebook

A menina que desde pequena criava roupas e desfiles para as bonecas sempre foi encantada pela moda e por toda a magia que envolve o setor. Contudo, foi no envelhecer que, pela primeira vez, percebeu que nessa fase da vida não havia nenhum cuidado especial para preencher as necessidades das mulheres mais velhas. “Meu entusiasmo só cresceu com a idade, mas senti que era preciso enfrentar os desafios da passagem do tempo no meu trabalho”, diz Suely Tonarque, pedagoga, psicóloga e gerontóloga, autora de Vestir – com os desafios do envelhecimento (Portal Edições). Ao lado da irmã Duda, ela faz muito sucesso com a loja Vila dos Louros, na Vila Madalena, em São Paulo, criada para o público feminino que busca um novo estilo no vestir, com conforto e elegância. Confira abaixo os principais trechos de sua entrevista para A Tribuna.


Há tons específicos para as mulheres mais velhas priorizarem ao se vestir?


Os tons escuros no passado remoto eram associados à velhice, principalmente quando havia falecimento na família, quando as mulheres ficavam vestindo peças de cor preta. Também havia o preconceito de que mulher velha não usava cores fortes, como vermelho, laranja, verde e amarelo, entre outras. Percebo, nos meus atendimentos, que as mulheres gostam de estampas, muitas dizem que se sentem mais jovens. Eu respeito essa fala, mas, se prestarmos atenção de verdade, as estampas envelhecem, porque ressaltam o aumento do bumbum e do seio, o desaparecimento da cintura e outros sinais que chegam com o envelhecer. É preciso mostrar com muito cuidado e delicadeza esse olhar diferenciado para os velhos, um desafio e um começo de uma nova maneira de compor a roupa escolhida. Ou seja, não é uma preocupação, e, sim, uma conscientização do que pode ser belo em qualquer idade.


No comércio da moda, em geral, há essa preocupação com os velhos?


Hoje, me parece que começa a se abrir uma porta (ou algumas) para essa faixa de idade, mas ainda estamos muito distantes do que seria ideal a um público que não para de crescer. Quando resolvo dar uma voltinha nos shoppings, percebo que não existe uma vitrine específica para os velhos. As vitrines continuam as mesmas, destacando manequins altas e magras com roupas justas. Isso me faz refletir que ainda há uma “negação do velho”. Ou seja, na moda, somos invisíveis.


Como descobrir a melhor imagem na maturidade?


Desde o nosso nascimento, somos cobertos por panos, para proteção e aconchego. E assim segue nossa trajetória do viver e vamos descobrindo a melhor forma de nos apresentarmos para o social. Nas festas, uma vestimenta. Outra no trabalho, outra para dormir e outra para praia. Vamos construindo uma imagem, caminhando e tecendo cada um sua própria travessia. Quando a velhice chega, já estamos estruturados para fazer as escolhas com a roupa com que nos identificamos.


E as mudanças?


É preciso prestar atenção nas transformações do corpo, pois somos obrigados a fazer novas escolhas para ele nesse processo. Sendo assim, o conceito se torna único e singular, pois cada corpo é único com sua história e caminhos percorridos. O conceito é o sujeito da sua história que fará as escolhas do seu vestir e do seu despir.


Quanto aos grandes estilistas, como estão percebendo esse público?


O Ronaldo Fraga já promoveu um desfile inspirado na obra de Carlos Drummond de Andrade. Em 2015, fez outro desfile, chamado A Fúria das Sereias. Nesse último, 35 mulheres, entre 18 e 86 anos, vestidas de sereias e com os seios expostos, compunham a cenografia viva para apresentação de uma coleção que falava da força feminina em diferentes fases da vida. Ronaldo Fraga se inspirou em uma cliente cansada de ouvir: “Desculpe, senhora, mas não temos roupas para sua idade”. Foi depois desse desabafo que passou a pensar e refletir na invisibilidade que as pessoas sofriam após cruzar a linha dos 60 anos.


O que mais incomoda as mulheres mais velhas?


Com a minha experiência em atendimento, a principal queixa nas mudanças no corpo da mulher é quando o braço fica flácido, o que dificilmente tem volta. Por isso, há mais procura por vestidos e blusas com mangas. Outra preocupação é não querer mostrar as varizes, solicitando calças compridas, vestidos ou saias longas.


Como você está lidando com o envelhecimento?


O nosso envelhecimento ocorre desde o nascimento, um processo sem volta. Um caminho sem retorno à juventude. E assim vamos vivendo a nossa própria travessia do viver. Aos poucos, fui me conformando e aceitando as minhas velhices. Com pedaços de tristezas, minhas dores no joelho, a minha ida constante ao dentista, meus cabelos brancos, pois já estava cansada de colorir, minhas rugas... E percebendo que não dava conta de tantos afazeres. A perda dos meus pais e por aí adentro em minha alma... As rachaduras foram surgindo. A velhice habitou e ficou.


Como é o trabalho na Vila dos Louros?


Minha irmã, Siuza Tonarque, pensa, reflete, desenha e junto com sua auxiliar faz os vestidos. A partir das transformações de nossos corpos e das impermanências, os vestidos são construídos e desconstruídos no que diz a ditadura da moda. Cada peça tem o conceito da contramão da moda. É mais difícil, pois esse império determina as cores, os modelos e as tendências, mas nós duas pensamos no contrário. Isso é, no bem-estar e no conforto.


Quais são as suas dicas para as mulheres que estão na maturidade?


Sentir-se bem, procurar leveza nos modelos de tecidos e cores diversas, algodão, seda e linho, entre outros.


Como é envelhecer com elegância?


A velha elegante é aquela que aceita as suas próprias velhices, o seu envelhecimento. É aquela que está no mundo para encantar aqueles que estão à sua volta com atitudes, sabedoria, gratidão à vida e discernimento da finitude. E, claro, sempre com um projeto de vida.


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