Profissionais da saúde da Baixada Santista alertam para novo pico do coronavírus: 'Pesadelo'

Relatos dramáticos da pandemia apelam para que a população siga as medidas de prevenção

Por: Maurício Martins & Da Redação &  -  06/12/20  -  10:22
Um pesadelo. Assim profissionais de saúde da Baixada Santista definem
Um pesadelo. Assim profissionais de saúde da Baixada Santista definem   Foto: Divulgação

Um pesadelo. Assim profissionais de saúde da Baixada Santista definem um possível novo pico da pandemia na região. Em meio ao crescimento das internações nas últimas semanas, esses trabalhadores fazem um apelo para que a população siga as medidas de prevenção. Em relatos dramáticos, contam como é a pressão psicológica de lidar com uma doença que não tem remédio. 


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“O sentimento no momento é de medo, de exaustão. Tínhamos a certeza que estava no fim, mas voltou com tudo. É visível o aumento das internações, casos que continuam graves”, desabafa a enfermeira Eliane Cunha Nascimento, de 41 anos, que coordena a enfermagem da UTI Covid-19 da Santa Casa de Santos. 


Segundo Eliane, a pandemia mostrou como uma doença pode ser agressiva, com muitas perdas de forma rápida, sem que ninguém esteja preparado. Ela lembra dos riscos físicos e psicológicos enfrentados pelos profissionais da saúde e o medo de contaminar os familiares. 


“Não desligamos nunca, tem sempre um caso que choca mais. É esgotante, difícil. Imagina você falando para a pessoa que ela será intubada para respirar melhor. Aí o paciente pergunta por quanto tempo. Mas quem pode responder isso? O profissional da saúde está muito fragilizado com tudo isso”. 


A enfermeira Pâmela Vanessa Rodrigues, de 37 anos, supervisora de enfermagem da Ala Covid-19 da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Doutor Matheus Santamaria (PAM Rodoviária), em Guarujá, ressalta que a disparada de casos lembra os piores meses. “É como se fosse um pesadelo que está voltando”. 


“Tem paciente que chega conversando, daqui a pouco rebaixa e vem a óbito. A equipe toda se desestrutura, é choro de médico, de técnico, de enfermeira. E isso acontece muito”. 


Pâmela explica que é impossível se desligar do trabalho desde o início da pandemia. “Fico on-line 24 horas, a sensação é de que alguém pode precisar de ajuda. Tenho uma filha de 8 anos, quando vou para a casa tento relaxar com a minha família, mas não consigo. Fico vivenciando o que aconteceu, como a morte de um paciente. Nunca mais foi a mesma coisa”. 


O enfermeiro Danilo Ribeiro Santos, de 39 anos, trabalha na UTI Covid-19 no Hospital Municipal de São Vicente. Para ele, o sentimento é de angústia. “As pessoas não estão preocupadas e diariamente a gente vê o que acontece. Eu me sinto angustiado, porque vejo que a população não consegue se educar para algo que é tão sério”. 


Eliane Nascimento e Danilo Santos
Eliane Nascimento e Danilo Santos   Foto: Divulgação

Ele explica que um plantão com pacientes infectados é alerta máximo. “Teve um paciente que entrou conversando com a gente e uma hora depois estava morto. Como falar isso para família? É uma situação complicada, não fomos preparados em faculdade e cursos para vivenciar isso”. 


A enfermeira Kátia Rodrigues Gerevini, 56 anos, que atua na rede pública de São Vicente e de Santos, concorda. “Pessoas sem nenhuma comorbidade faleceram. É muita pressão, trabalhamos muito. Foram suspensas férias, folgas”. 


Apelo


Pâmela pede que as pessoas façam o isolamento social, lavem as mãos constantemente e usem máscara. “Não acabou, a gente segue no combate e as pessoas precisam ter consciência. Não esqueçam que há um grande amor dentro da sua casa: um pai, uma mãe, um filho. Levando essa doença para a casa, você pode precipitar o desfecho de uma história ruim”. 


Eliane reforça o apelo. “Tem muitos idosos que não saíram de casa chegando ao hospital. Foram contaminados pelos filhos e outros parentes. Vamos cuidar dos nossos. Máscara, álcool em gel, distanciamento. Acreditem que não é uma coisa simples, os dados estão aí. Não é uma brincadeira”. 


É difícil lidar com a impotência, explica psicóloga


As pessoas não são educadas para lidar com a própria impotência diante das situações. Mas, numa situação tão grave como pandemia, os profissionais de saúde devem ser orientados no sentido de perceber seus limites pessoais, diz a psicóloga organizacional, clínica e neuropsicóloga Maria Teresa Garcia, de 58 anos.


“Em consultório, atendo profissionais que estão sofrendo as pressões desta luta diária de enfrentamento da doença. É uma equipe que lida dia a dia com a precariedade do sistema de saúde, com a pressão da responsabilidade em salvar vidas e ainda com a pressão psicológica emanada através da fragilidade do paciente, do desespero dos familiares e da própria cobrança pessoal em dar conta de todo este cenário”, explica Maria Teresa. 


Ela afirma que a sociedade cobra potência, poder e sucesso. “Aí, surgem situações que fogem ao nosso controle, que nos mostram de forma dura nossos limites e as crueldades que, por vezes, a vida nos impõe. Aprender a lidar com a vida e com as o conteúdo que ela nos traz é aprender a reinventar-se". 


A psicóloga lembra do papel central do profissional de saúde para mandar notícias do paciente, muitas vezes gravando um vídeo de próprio celular, se incomodando com a aflição a angústia do outro. 


“Os profissionais precisam estar atentos ao que o paciente necessita, sempre dentro dos limites éticos, mas nunca esquecendo o que nos une por princípio: a nossa humanidade”. 


Maria Teresa, que é de Santos, também atua na Fundação Butantan, em São Paulo. Ela diz que no início da pandemia a sensação de insegurança e medo esteve mais presente devido. Passados alguns meses a angústia deu espaço a uma relação de maior confiança no trabalho. 


“Nossos colaboradores estarem envolvidos nos processos em direção à cura (vacina) e não à doença, traz ao ambiente corporativo uma sensação enorme de contribuição e participação na solução do problema. Gera nas pessoas, apesar dos efeitos da pandemia, um ambiente de esperança e uma possibilidade de enfrentamento”.


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