Pandemia da Covid-19 reduz geração de lixo

Nas duas primeiras semanas de abril, queda média foi de 25% na região, consequência direta da redução da atividade econômica

Por: Arminda Augusto  -  20/04/20  -  00:56
Lixo domiciliar diminuiu em Santos, mas cresceu a coleta dos detritos deixados depois das feiras
Lixo domiciliar diminuiu em Santos, mas cresceu a coleta dos detritos deixados depois das feiras   Foto: Vanessa Rodrigues

As medidas restritivas de circulação impostas pelos governos municipais e Estadual na pandemia do coronavírus fizeram cair a geração de lixo domiciliar na região até 34%. Em pelo menos cinco dos nove municípios, a queda média foi de 25%, comparando-se as duas primeiras semanas de abril deste ano com igual período do ano passado.


A maior queda foi em Bertioga: 34%. Em Cubatão, Guarujá e Praia Grande, a redução foi de 25%. Santos teve o menor índice: 15%.


Os dados foram obtidos por A Tribuna junto à Terracom, empresa responsável pela coleta de lixo nessas cinco cidades e também em Mongaguá e Peruíbe, onde o volume se manteve igual. São Vicente também tem seu lixo coletado atualmente pela empresa, mas a comparação não é possível porque em abril de 2019 não era a Terracom a executar o serviço.


Explicações


Por que a diferença de índices de redução entre as cidades? E mais: se muitos estão em casa, inclusive os que trabalham diariamente na Capital, por que a redução e não o aumento?


Para entender os números, A Tribuna ouviu especialistas e pediu dados mais detalhados de Santos, a cidade-polo da região. Também juntou dados do lixo limpo, cuja coleta é feita pela Prodesan.


Segundo Antônio de Mello Neto, diretor de Operações da Terracom, a redução das atividades comerciais interfere diretamente na produção de lixo, mesmo considerando que mais pessoas estejam em suas casas, consumindo.


Em casa, diz, há um racionamento maior por parte das pessoas em relação aos alimentos e ao preparo das refeições. Sobras, em geral, são guardadas e reaproveitadas em refeições seguintes, uma prática que nem sempre ocorre em restaurantes e lanchonetes, até para evitar eventuais riscos.


Além disso, os grandes geradores de lixo domiciliar, como shoppings e centros comerciais, estão fechados, com menos consumo. Nesse segmento de grandes geradores (mais de 200 litros de lixo por dia), a queda em Santos foi de 37%.


O diretor da Terracom cita ainda um outro fator que interfere diretamente no consumo: mesmo estando em casa, muitas famílias estão evitando fazer compras além do necessário por aperto no orçamento doméstico.


Com comércios e restaurantes fechados, há também menos descarte de embalagens, itens que acabam pesando no lixo domiciliar. “E mesmo os delivery ainda não estão sendo utilizados de forma massiva. Ou seja, muitas pessoas que comiam fora estão agora em casa preparando suas próprias refeições, e talvez desperdiçando menos, tendo mais cuidado”.


Cata Treco


E não foi só o lixo domiciliar que caiu. Como pequenos serviços domésticos não estão sendo contratados (reformas, troca de rede elétrica e hidráulica, por exemplo) e não há compra de móveis e eletrodomésticos, não há descarte de entulho, nem de sofás, geladeiras, fogões e móveis. Esse comportamento explica a queda no popular serviço do Cata Treco: 22,7%, ou 301 toneladas de lixo volumoso a menos no aterro sanitário, entre os dias 1 e 14 deste mês.


Entre cidades


Mello Neto diz que já esperava a queda na produção de lixo, mas diz ter se surpreendido pela diferença expressiva entre as cidades.


Ele atribui às barreiras sanitárias impostas a turistas na entrada de Guarujá, por exemplo, a queda de 25%. “Guarujá, Praia Grande e Bertioga são municípios com grande fluxo de turistas nos finais de semana”, diz. Diferente de Santos, onde esse fluxo é intenso de forma linear durante a temporada. 


Ele acredita que o fechamento dos números no final de abril poderá trazer ainda mais surpresas na relação pandemia x geração de lixo.


Na outra ponta, coleta seletiva cresce 37%


Se o lixo domiciliar caiu, em Santos o lixo limpo cresceu 37% nesse mesmo intervalo: as duas primeiras semanas de abril de 2020 em relação a 2019.


Dados fornecidos pela Prodesan, empresa que faz a coleta seletiva em Santos, indicam que a média em 2019 era de 15,24 toneladas por dia, e passou para 20,85 em 2020.


Para Gabriela Otero, coordenadora técnica da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), estando em casa, as pessoas estão tendo mais oportunidade de separar o lixo, mais até do que no trabalho.


Esse comportamento, diz, também tem sido observado na Capital. “Isso é bom. Mostra uma empatia com a reciclagem, uma consciência que já se criou”.


Santista, Gabriela trabalha em São Paulo todos os dias, mas diz que tem “se observado” no cotidiano de casa, e estabeleceu como meta reduzir a geração de seu lixo: 1,5 kg por dia em duas pessoas.


Ela esperava que a quarentena fizesse cair a quantidade de lixo domiciliar, mas desconhecia os números da região.


Acompanhando as cidades brasileiras, ela lamenta que muitas tenham suspendido a coleta seletiva por entenderem que representa vetor de contaminação. “Desde que todos os cuidados sejam tomados, não há porque suspender”. Ela teme que, na volta à normalidade, esse serviço não seja retomado nesses locais.


Lixo é dinheiro


“Muitas pessoas já perceberam que lixo é dinheiro. Não é para ser enterrado de forma irresponsável”.


A fala é de Francisco Luiz Biazzini Filho, da Rederesíduos, Inovações para Economia Circular, uma entidade que defende a gestão sustentável dos resíduos.


Ele acredita que a redução na produção de lixo domiciliar é fruto da mudança de padrão de consumo pela sociedade. “Menos consumo, menos lixo. E estando em casa, há um acompanhamento melhor do que se consome e o que vai ser descartado”, diz.


Medidas garantem saúde dos coletores


Atividade considerada essencial para as cidades, a limpeza pública não pode parar na pandemia. Para garantir a manutenção dos serviços e a segurança dos coletores e demais funcionários, a Terracom criou um plano de contingência com medidas de prevenção ao coronavírus. Até agora, segundo a empresa, não há registro de nenhum caso da doença entre os 550 que trabalham diretamente na coleta (coletores e motoristas de caminhão).


Entre as ações, a Terracom destaca a criação de oito equipes de apoio motorizadas, que percorrem as frentes de trabalho (limpeza urbana/canteiros de obra) para dar suporte aos funcionários e fiscalizar o cumprimento das ações.


Máscaras para todos os 3.200 colaboradores, álcool gel e demais equipamentos de segurança também estão entre as medidas adotadas, além de medição da temperatura e higienização das instalações da empresa.


A Terracom está preparando um estudo junto a um laboratório qualificado para transformar o álcool líquido numa versão em gel, o que permitirá suprir as deficiências do mercado e amparar os trabalhadores.


Nos refeitórios internos, houve redução de 50% das cadeiras para o maior espaçamento das pessoas. Além disso, talheres são envelopados individualmente e os utensílios trocados a cada 30 minutos. 


A empresa adotou ainda outras medidas: higie-nização dos ônibus que transportam os funcionários, cancelamento de eventos internos, adoção de home office e férias para funcionários que se enquadram no grupo de risco e ainda para parte dos demais colaboradores que compõem o quadro da empresa.


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