O lado cruel da pandemia do novo coronavírus nas periferias da Baixada Santista

Nas comunidades, isolamento social pregado para evitar a disseminação da Covid-19 é ilusão para muita gente

Por: Rosana Rife  -  24/05/20  -  19:52
José Domingos tentou permanecer em casa, mas foi às ruas após dez dias
José Domingos tentou permanecer em casa, mas foi às ruas após dez dias   Foto: Matheus Tagé/AT

A pandemia do novo coronavírus mostra sua face mais dura na periferia das cidades. Nesses locais, o isolamento social e as medidas de higiene pregadas pelos governos são, em muitos casos, apenas miragem de um mundo distante. A fome e o medo se fazem mais presentes do que nunca.


O ambulante José Domingos Jorge de Oliveira, 54 anos, bem que tentou ficar em casa, cumprindo as determinações de médicos, prefeitos e governadores. Mas a experiência durou dez dias. “O bicho pegou e fiquei sem reserva. Quando o dinheiro acabou e as contas continuaram chegando, tive de correr atrás”.


Desse modo, ele voltou para as ruas dos bairros Quarentenário e Jardim Rio Branco, na Área Continental de São Vicente, vendendo café com leite, bolo e salgados. “Desde que fiquei desempregado, há 17 anos, esse virou meu ganha-pão. Mas, agora, uso máscara e carrego álcool em gel”.


O carpinteiro Erivaldo Gomes de Souza, 53 anos, virou um vendedor de quinquilharias na Avenida Ulysses Guimarães, também no Jardim Rio Branco, desde que o último contrato de trabalho dele acabou, em meados de março, no início da pandemia.


Os objetos comercializados a preços que vão de R$ 1,00 a R$ 25,00 são doados ou descartados pela população e viram dinheiro para ajudar no sustento da família. Ele mora no bairro com a mulher, dois filhos desempregados e uma neta de 6 anos.


“Minha mulher está em casa e o patrão tem depositado o salário dela. É pouco, mas é o que temos. Com o que tiro aqui, complemento para a comida”.


Álcool em gel é artigo de luxo para ele, que passa horas e horas com suas mercadorias expostas no chão da avenida. “É caro. Um tubo custa o mesmo que meio quilo de frango. É melhor garantir a mistura na mesa”.


Dificuldades


A aposentada Rilza da Costa Silva, 61 anos, não segura as lágrimas ao contar os dias difíceis que vem passando. Solidão e problemas financeiros têm sido um peso duro de carregar.


 “Recebo um salário-mínimo de aposentadoria (R$ 1.045,00), ajudo meus netos que moram na Bahia, compro remédio e pago as contas. Não sobra nada”.


Ela conta que, antes do isolamento social, fazia bicos como faxineira em escritórios. Porém, como faz parte do grupo de risco, foi dispensada. O dinheirinho era o fôlego necessário para reforçar a mistura no cardápio de casa.


“Agora vivo de doações. Quando tem marmita aqui (na sede do projeto Tia Egle, na Zona Noroeste, em Santos, doadas por um programa do Sesi), levo para casa e vira meu almoço e jantar”.


Cestas básicas doadas fazem toda a diferença no dia a dia de Rilza da Costa
Cestas básicas doadas fazem toda a diferença no dia a dia de Rilza da Costa   Foto: Matheus Tagé/AT

Rilza conta que, quando ganha uma cesta básica, como ocorreu na última sexta-feira, também feitas por doações ao projeto da Tia Egle, até comemora. “Já ganhei também verdura e ovos, assim consigo fazer alguma refeição em casa. Mas também tomo café da manhã e almoço no Bom Prato. A gente vai vivendo assim, mas uma hora tudo isso vai passar”.


Geladeira fica cheia graças a auxílio


Manter as três filhas em casa desde o início da pandemia tem sido tarefa complicada para Edislaine Conceição de Sousa, 29 anos. Ela vive em um barraco de quatro cômodos no Dique da Vila Gilda, em Santos, que transformou em um lar simples e mantém bem arrumadinho.


“Não tenho como comprar álcool em gel. Às vezes, falta água na torneira. Mas sempre deixo um balde na cozinha e outro no banheiro, que busco na bica. E as crianças ficam o dia inteiro em casa. Querem comer até as paredes”.


Edislaine fez compras assim que recebeu primeira parcela de R$ 600,00 financiada pelo Governo Federal
Edislaine fez compras assim que recebeu primeira parcela de R$ 600,00 financiada pelo Governo Federal   Foto: Matheus Tagé/AT

Ela era cuidadora de idosos, agora está desempregada. O marido faz bicos para ganhar um trocado, porém as ofertas têm sido mais raras nesses últimos tempos. O único dia em que ela teve como encher a geladeira foi na última quinta-feira, quando recebeu a primeira parcela do auxílio emergencial, no valor de R$ 600,00, pago pelo Governo Federal.


 “Esse dinheiro veio em boa hora. Também estou na lista do Bolsa Família. Tem dias que as meninas pedem uma bolacha ou um iogurte e não tem. Elas almoçam as marmitas distribuídas no projeto (da Tia Egle). Todo mundo por aqui está desesperado”.


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