Número de cesáreas realizadas na Baixada Santista é três vezes o recomendado pela OMS

Cesariana é uma cirurgia que pode salvar a vida do bebê e da mãe, mas sem critérios chega a representar um risco aos dois

Por: Tatiane Calixto  -  16/02/20  -  12:14
Licia, com os dois filhos, durante a gestação de Malu, nascida na última: três cesáreas
Licia, com os dois filhos, durante a gestação de Malu, nascida na última: três cesáreas   Foto: Arquivo Pessoal

O índice de cesáreas na Baixada Santista é quase três vezes maior do que o preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De 2017 até o novembro do ano passado, a média de partos cesarianas na rede pública das nove cidades da região foi de 43%, enquanto a OMS recomenda que ele não ultrapasse os 15% em relação ao total de nascimentos.  


Conforme dados da Secretaria de Estado da Saúde e dos municípios, em 2017, dos 16.649 partos realizados nas cidades da Baixada, 7.292 foram cesáreas, ou seja, 43,8%. Em 2019, até novembro, foram 6.249 cesáreas ou 43,4% do total de 14.398 partos.


>> Confira o infográfico com mais detalhes sobre o assunto  


A cesariana é uma cirurgia que pode salvar a vida do bebê e da mãe quando realizada por razões médicas. No entanto, feita sem critérios, chega a representar um risco aos dois. O obstetra Ricardo Porto Tedesco é membro da Comissão Nacional Especializada em Assistência ao Abortamento, Parto e Puerpério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Segundo ele, a taxa proposta pela OMS varia de 10% a 15%, foi estabelecida há quatro décadas e, depois de tanto tempo, reforçada há cerca de cinco anos.  


“Mesmo com todas as mudanças e avanços, a OMS continua entendendo que as cesáreas devem ser realizadas em casos de complicações obstétricas”, diz Tedesco. O médico garante que o método pode salvar vidas quando há hemorragias ou problemas, por exemplo, de descolamento de placenta. Por outro lado, guarda todos os riscos inerentes aos procedimentos cirúrgicos.  


Além disso, as gestações subsequentes às cesarianas têm maior risco da placenta da grávida invadir o útero ou de haver rompimento da parede uterina. “Fora que a recuperação pós-parto é mais dolorosa e os custos são maiores”, complementa o médico.  


Para o bebê, uma cesárea desnecessária também pode representar problemas. Conforme a chefe da seção de Vigilância à Mortalidade Materno Infantil de Santos, Josiane Quintiliano Xavier de Castro, o final da gravidez ainda é um momento de formação que, na maioria das vezes, se completa com o nascimento espontâneo.  


No caso das cesáreas, muitas vezes, o bebê deixa de ganhar mais peso, não completa a maturidade cerebral ou pulmonar. “E isso pode fazer com que ele apresente dificuldades para se alimentar ou problemas respiratórios”, exemplifica. Além do mais, a primeira mamada já ao nascer quando o parto é normal é fundamental para o estabelecimento de vínculos entre a mãe e o bebê e também na garantia do fortalecimento imunológico da criança.  


Medo e cultura  


Para a chefe da seção de Vigilância à Mortalidade Materno Infantil de Santos, Josiane Quintiliano Xavier de Castro, a cultura de que a dor do parto é a pior do mundo e o estresse que muitas mulheres passam neste momento colaboram para que o Brasil ainda seja um dos países que mais realizam cesáreas no mundo.  


A moradora do Caruara, em Santos, Licia Santos, 33 anos, deu à luz a pequena Malu nesta semana. É a terceira cesárea que ela realiza. “Na gravidez do meu primeiro filho tive pré-eclâmpsia e a orientação médica foi a cesariana. No segundo, não tive passagem e não podíamos mais esperar. E, agora, a pré-eclâmpsia voltou”, conta Licia. Mas ela confessa: se pudesse escolher, a preferência seria pela cesárea. “Acompanhei amigas minhas que sofreram muito no parto normal por falta de acolhimento da equipe médica”.  


Para Ricardo Porto Tedesco, da Comissão Nacional Especializada em Assistência ao Abortamento, Parto e Puerpério da Febrasgo, é preciso avançar na conscientização das gestantes, mas também investir no preparo das equipes para realizarem o parto normal.  


Culturalmente, diz ele, acredita-se que o obstetra que acompanha a gestante tem que atendê-la na hora do parto. Isso faz com que seja mais cômodo agendar o nascimento com uma cesárea que, claro, demanda menos tempo. “Mas temos que preparar equipes para que a mulher se sinta segura e acolhida com quem estiver disponível quando a hora do parto chegar”. Mais do que isso, Tedesco considera que é preciso explicar os procedimentos e a sequência de ações, deixando a mulher ciente de todo o passo a passo.   


Ainda que na rede de Saúde Suplementar a diferença entre o parto normal e a cesárea seja maior, tanto no número de procedimentos quanto no pagamento ao médico - a cesárea ganha nos dois quesitos -, oferecer uma melhor remuneração aos partos normais não seria suficiente se fosse uma ação isolada. “É preciso um conjunto de medidas que passam pela questão cultural”. 


Em Santos, mais partos normais


Em Santos, o número de partos normais subiu cerca de 10 pontos percentuais nos últimos sete anos em relação ao total de nascimentos. Para o secretário de Saúde do Município, Fábio Ferraz, aprofundar o debate sobre o tema é importante para diminuir a mortalidade materna e infantil.


Em 2012, dos 4.962 procedimentos (levando em conta todos os serviços de Saúde do Município, inclusive privados), 29,9% foram normais e os outros 70,1%, cesarianas. Já em 2019, dos 4.274 nascimentos, 39,7% foram via parto normal e 60,3%, cesáreas.


Na Cidade, conforme o secretário de Saúde, o aumento dos partos normais – e consequentemente a diminuição das cesáreas - tem relação direta, com diversos investimentos na rede de assistência, com a criação do Programa Mãe Santista, em maio de 2013, e ações e capacitações voltadas à humanização do parto. Além disso, a abertura da maternidade do Complexo Hospitalar dos Estivadores, em 2017, também ajudou neste cenário. 


Apesar de todos esses esforços, Ferraz faz um alerta. A legislação estadual que permite que grávidas do estado possam optar por fazer cesárea a partir da 39ª semana de gestação pelo SUS deve ser melhor debatida. 


“Essa legislação influencia e as gestantes estão vindo, como tenho ouvido dos profissionais, com a lei na mão. Temos que respeitar a autonomia da mulher, mas o conforto da agenda não pode se sobrepor à questão clínica”, afirma o secretário.  


Além da opção pela cesárea, a lei também inclui a determinação de se oferecer analgesia a mulheres que optarem pelo parto normal. Sancionada pelo governador João Doria (PSDB), a legislação teve origem em um projeto de autoria da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL), que visava a preservação da autonomia e saúde física e psicológica das mulheres. 


“Temos que discutir melhor. Acredito que a legislação queira respeitar a vontade da gestante. Mas os profissionais e protocolos precisam ser levados em conta. Temos que falar mais sobre isso”, finaliza Ferraz, reforçando a importância da informação e conscientização das mulheres.


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