MPF questiona mapeamento estadual via celulares sobre quarentena

Acordo entre Governo do Estado e empresas de telefonia fornece dados usados para indicar porcentagem da população que aderiu ao isolamento social

Por: Eduardo Brandão  -  16/04/20  -  20:58
Revitalizar a Avenida 9 de Abril e o entorno é aposta para atrair mais empresas e clientes ao Centro
Revitalizar a Avenida 9 de Abril e o entorno é aposta para atrair mais empresas e clientes ao Centro   Foto: Rogério Soares/AT

O acordo entre as empresas de telefonia e governo paulista para mapear a adesão à quarentena está na mira do Ministério Público Federal (MPF). A promotoria da República determinou a abertura de procedimento preparatório para analisar possível violação de direitos fundamentais na liberação de dados para alimentar o Sistema de Monitoramento Inteligente de São Paulo (Simi-SP).


A ferramenta permite monitorar a circulação de pessoas nas cidades paulistas com mais de 30 mil habitantes. No domingo (12), por exemplo, o sistema identificou que 59% dos paulistas aderiram, naquela ocasião, o isolamento social. Com 68% de cumprimento da quarentena, São Vicente foi o município estadual com maior índice apurado


O monitoramento é feito com base no deslocamento do sinal dos aparelhos celulares entre as antenas de transmissão disponíveis nas cidades. Caso determinado número telefônico tenha o sinal recebido em mais de uma torre de transmissão, o SIMI-SP identifica que o portador do aparelho não cumpriu o isolamento social. A ferramenta é utilizada pela gestão estadual para apontar a eficácia das medidas de isolamento social.


Um ofício assinado pelo procurador da República Bruno Costa Magalhães foi enviado ao governador João Doria (PSDB) para obter esclarecimentos sobre um acordo firmado entre a gestão pública estadual e empresas de telefonia celular. 


No documento, o representante do MPF destaca eventual risco de violação de regras constitucionais, pois o mapeamento pode mitigar “o direito de intimidade e de reunião - que, como sabido, não está ao alcance do poder normativo dos governos estaduais”.


Magalhães determinou que o governador paulista envie cópias dos termos do acordo com as empresas de telefonia. Também pede as especificações do software utilizado para o processamento dos dados (como nome, versão e desenvolvedor) e quais as informações são encaminhadas pelas operadoras para o mapeamento estadual.


O MPF questiona ainda sobre o possível uso da força policial para fazer cumprir a quarentena, conforme decreto estadual (64.881/2020). Para a procuradoria, o dispositivo não proíbe o direito de ir e vir. Após defender a medida, Doria amenizou o tom sobre utilzar a PM para esse fim.


Especialistas em direitos digitais ouvidos por ATribuna.com.br afirmam que a massa de dados enviada pelas operadoras não possibilita identificar quem utiliza o aparelho celular - portanto, não fere direitos individuais. Isso porque são usados dados de localização agregados (anônimos), de forma a impedir a identificação do titular da linha. 


Em nota, o Palácio dos Bandeirantes esclarece que os dados autorizados no acordo de cooperação firmado com as empresas de telefonia “se restringem a mapas de calor e porcentagens relativas ao estado e municípios”. Explica que as informações não são geradas de forma individuais, portanto “respeitando a lei vigente e a nova lei geral de proteção de dados”.


Como funciona?


Segundo o governo paulista, a central de inteligência analisa os dados de telefonia móvel para indicar tendências de deslocamento. Isso é feito por meio da comunicação constante entre o aparelho e as antenas de transmissão das operadoras (estações de rádio base).


As informações serão apresentadas em um modelo de “mapa de calor” que indica mais ou menos a  concentração populacional por localidade e também em diferentes períodos. “Embora as empresas não consigam dizer precisamente onde o assinante esteja, elas têm ciência de uma área na qual ele pode estar”, explica o diretor de Tecnologia da Meta Sistemas e professor de Redes de Computadores da Fatec-BS, Cláudio Nunes.


A localização é feita pela área de amplitude das antenas. Ele explica que essa análise ocorre até mesmo sem estar com o serviço de localização (GPS) ativo no aparelho. Em Santos, por exemplo, existem 271 antenas ativas das cinco operadoras na cidade (Vivo, Tim, Claro, Oi e Nextel). “Se em um determinado tempo o assinante saiu de uma antena e passou para outra, pode-se concluir que a pessoa não está respeitando o isolamento”, conclui.


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