Moradoras de Santos com comorbidades analisam prioridades do plano de imunização: 'Dor do descaso'

Em entrevista para ATribuna.com.br, as mulheres contam como é ficar em isolamento quase constante e como a Covid-19 tem afetado na rotina e os acompanhamentos médicos

Por: Carolina Faccioli  -  19/03/21  -  09:42
  Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

A notícia do início da vacinação contra a Covid-19 foi um alívio para muitas pessoas. Porém, para os portadores de comorbidades, o Plano de Imunização ainda precisa de melhorias, já que aguardam a imunização em um futuro distante e incerto.


Com medo de pegar a forma mais grave da doença, milhares de comórbidos tem adaptado a rotina para se precaver, como é o caso das moradoras de Santos, Jennifer, Flávia, Daniela e Ana. Em entrevista para ATribuna.com.br, elas contam como encaram a escolha dos grupos prioritários na vacinação, como é viver com o medo de pegar o vírus e, ao mesmo tempo, ter que se privar das consultas médicas, temendo uma complicação dos problemas de saúde já existentes.


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Jennifer Pavani é moradora de Santos e tem diabetes. Por conta de complicações da doença, adquiriu insuficiência renal, cegueira total da vista esquerda e parcial da direita e função pulmonar reduzida. Ela conta que sente uma indiferença em relação a imunização do grupo de risco, já que muitos ainda temem as complicações da doença e cumprem a quarentena.


"A vacinação era para muitos de nós a 'libertacão', a possibilidade de mesmo mantendo as medidas protetivas, pudéssemos retornar a uma rotina quase normal. Estou em uma reclusão de quase 350 dias, com muita resiliência tenho tentado não enlouquecer, me reinvento diariamente, mas a dor do descaso que somente nós que tivemos nosso direito postergado podemos detalhadamente descrever".


A psicopedagoga diz ainda que, por conta da situação, tem contado com a ajuda da mãe, de 71 anos, que tem buscado quinzenalmente os medicamentos no AME. Apesar de afirmar que a imunização da mãe seria um alívio, acredita que não solucionará todo o problema, já que a mãe ainda poderá transmitir a doença para ela.


Preocupação com a família


Quem também quase não tem saído de casa é a moradora Flávia de Oliveira. Por ter bronquite asmática e alérgica, ela está isolada pois teme desenvolver a forma grave da doença. Flávia conta que não se sente segura para voltar a mesma rotina de antes da pandemia.


Um dos fatores que preocupa Flávia é que o filho de três anos estava frequentando terapias para investigar se possui o Trantorno do Espectro Autista, mas devido ao cenário atual não frequenta desde março. "Durante essa flexibilização, não sentimos segurança de retomar atividades (como a escola e as terapias do meu filho) por ele ser transmissor e poder me contaminar, o que resultaria em um quadro respiratório provavelmente grave. Infelizmente, não tenho controle e nem posso saber como outras famílias estão cuidando do caso, então levá-lo para esses lugares não me traz segurança, apesar de eu saber que para ele, é essencial retornar a essas rotinas", diz.


Outra moradora que enfrenta problemas parecidos na pandemia é Daniela Nunes. Diabética há 26 anos, ela explica que sempre foi muito regrada em relação aos cuidados médicos. No entanto, teme que a diabetes fique alterada ou algum outro problema de saúde apareça sem o monitoramento frequente.


Antes da pandemia, a empresária costumava comparecer nas consultas de quatro em quatro meses. Porém, não consegue comparecer na consulta há cerca de um ano por medo de ser infectada pelo novo coronavírus. "Falam que a gente é grupo de risco, mas não existe nem previsão de tomar a vacina", relata Daniela.


Por conta da pandemia, Daniela decidiu até sair de Santos com a família. Eles tem cumprido o isolamento social no interior de São Paulo, em uma região mais tranquila. "No início eu pensava que o lockdown de 15 dias ia dar certo, mas não dá pra economia parar. Eu acho que para economia girar, deveria vacinar a frente de trabalho, área de saúde e avaliar os casos de comorbidades. Eu até consigo ficar reclusa, mas tem muitos que não conseguem".


Luta e representação
Ana Rebello também faz parte do grupo de risco e mora em Santos. Ela conta que teve mielomeningocele antes de nascer, o que causou uma má formação na coluna, resultando em uma deficiência física motora, que vai se agravando com a idade. Ela tem também a doença do 'pé diabético' e um problema no trato urinário. Além disso, Ana também faz parte do grupo de risco por ter obesidade.


Para ela, a vacinação dos idosos e dos trabalhadores da saúde é uma prioridade indiscutível, mas sente que falta representação política para lutar pelos deficientes e acredita que o grupo tem até uma parcela de culpa por não exigir os direitos, se colocando como prioridade. "Nós somos aquela única minoria no Brasil que não se valoriza. Eu vejo ativismo pra todo lado, mas não vejo ativismo com o deficiente físico. Eu não vejo ativismo pelo comórbido", diz.


Logística e planejamento


Procurada pela reportagem de ATribuna.com.br, a Secretaria de Saúde do Estado informa que a destinação de mais vacinas contra covid-19 pelo Ministério da Saúde é crucial para continuidade da campanha e expansão dos públicos-alvos. Estes, a propósito, foram elencados pelo Ministério da Saúde de forma ampla e sem que houvesse doses disponíveis para imunização simultânea em todas estas frentes, resultando na necessidade de definição de estratégias por cada estado.


Segundo a Secretaria, o Governo de São Paulo tem priorizado a imunização dos públicos mais vulneráveis: profissionais de saúde, indígenas, quilombolas, idosos e adultos com deficiência residentes em instituições de longa permanência, além de avançar gradativamente na imunização dos idosos em geral - que representam 77% das vítimas fatais da covid-19.


Também informa que o Estado tem atuado com agilidade na logística e distribuição para a rede de saúde de São Paulo sempre que recebe novas remessas de vacinas. Toda estratégia de distribuição das grades e inclusão de novos público segue os critérios técnicos definidos pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações) e à medida que o Ministério viabiliza novos quantitativos.


A execução da campanha, com organização e distribuição de quantitativos na rede de saúde, bem como aplicação das doses na população, é responsabilidade dos municípios. O número de vacinados em SP está disponível publicamente pelo site.


A reportagem também procurou o Ministério da Saúde, que informou que o Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19, elaborado pelo Ministério da Saúde, estabelece uma ordem de vacinação para os grupos prioritários.


A seleção das populações com prioridade na imunização foi baseada em princípios da Organização Mundial da Saúde (OMS), discussões com especialistas no âmbito da Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis e feita em acordo com entidades como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

Devido ao fato de que, em um momento inicial, não há ampla disponibilidade da vacina no mercado mundial, o Ministério da Saúde definiu a priorização da vacinação para determinados grupos, considerando a necessidade de preservação do funcionamento dos serviços de saúde; a proteção dos indivíduos com maior risco de desenvolver formas graves da doença; a proteção dos demais indivíduos vulneráveis aos maiores impactos da pandemia; além da preservação do funcionamento dos serviços essenciais. Para isso, foi definida uma lista de grupos prioritários, que somam mais de 77 milhões de brasileiros.


Conforme abaixo:

1) Pessoas com 60 anos ou mais institucionalizadas
2) Pessoas com deficiência institucionalizadas
3) Povos indígenas vivendo em terras indígenas
4) Trabalhadores de saúde
5) Pessoas de 90 anos ou mais
6) Pessoas de 85 a 89 anos
7) Pessoas de 80 a 84 anos
8) Pessoas de 75 a 79 anos
9) Povos e comunidades tradicionais Ribeirinhas
10) Povos e comunidades tradicionais Quilombolas
11) Pessoas de 70 a 74 anos
12) Pessoas de 65 a 69 anos
13) Pessoas de 60 a 64 anos
14) Pessoas de 18 a 59 anos com comorbidades
15) Pessoas com deficiência permanente
16) Pessoas em situação de rua
17) População privada de liberdade
18) Funcionários do sistema de privação de liberdade
19) Trabalhadores da educação do ensino básico (creche, pré-escolas, ensino fundamental, ensino médio, profissionalizantes e EJA)
20) Trabalhadores da educação do ensino superior
21) Forças de segurança e salvamento
22) Forças Armadas 364.036
23) Trabalhadores de transporte coletivo rodoviário de
passageiros
24) Trabalhadores de transporte metroviário e ferroviário
25) Trabalhadores de transporte aéreo
26) Trabalhadores de transporte aquaviário
27) Caminhoneiros
28) Trabalhadores portuários
29) Trabalhadores industriais

O Ministério da Saúde recomenda que os gestores de saúde sigam essa ordem estipulada pelo Plano de Vacinação, de acordo com as orientações do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e Informes Técnicos, publicizados por meio do site do Ministério.

A pasta informa ainda que trabalha para que, de maneira escalonada, a vacinação contra a Covid-19 seja ofertada para toda a população brasileira de forma ágil, segura e simultânea.


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