Microcefalia: Mães mostram a rotina dos bebês quatro anos após surto da doença

Em 2015, elas tiveram Zika vírus na gravidez; hoje, seguem superando limites todos os dias

Por: Nathália de Alcantara & Da Redação &  -  30/12/19  -  10:55
Sabrina atravessa a pé a Ponte dos Barreiros, em São Vicente, ainda interditada, para levar Luany ao
Sabrina atravessa a pé a Ponte dos Barreiros, em São Vicente, ainda interditada, para levar Luany ao   Foto: Vanessa Rodrigues/ AT

Quatro anos se passaram desde que Jaqueline Jéssica de Oliveira, de 28, descobriu a palavra microcefalia. A filha, Laura, nasceu com a doença depois que a dona de casa teve o Zika vírus durante a gravidez. Junto com ela, milhares de outras mães tinham o primeiro contato com o termo e uma rotina cheia de cuidados.


A menina foi uma das 4.120 notificações de microcefalia no País em 2015 e um dos primeiros casos da região. Desde então, apareceram mais descobertas e desafios. E A Tribuna voltou a falar com mães desses bebês com microcefalia para saber o que mudou e como está a rotina hoje.


Enquanto Lucas, o gêmeo de Laura, tem vida normal, a pequena segue com limitações. “Ela está crescendo, então a realidade é pior. A cadeira de rodas está pequena, a locomoção é muito complicada e os banhos acabam com a minha coluna”, desabafa a mãe.


Laura toma ao menos dois banhos por dia por conta de uma sonda gástrica. Nesse tempo, convulsões apareceram e chegaram a ser cinco por dia. Hoje, remédios já controlam o caso.


Mas, ao mesmo tempo que a dificuldade da família aumenta, as alegrias que compensam tudo isso também são maiores hoje. “Ela olha para mim de um jeito diferente, apesar de não falar. A Laura vira a cabeça quando alguém diz algo. Sorri e reage, mas não senta sozinha nem pega as coisas com as mãos”, diz a mãe.


Com a rotina de fisioterapia, médicos e fonoaudiólogo, o salário-mínimo (R$ 998,00) pago pelo Governo Federal ajuda muito. A dona de casa tem ainda os filhos Paulo, de 13 anos, e Gabrielly, de 8.


Por conta dos altos gastos, o Papai Noel não passou pela casa deles, no Macuco, em Santos. “Mas o pedido aqui é simples: que a Laura evolua ainda mais em 2020 e ganhe uma cadeira de banho. Para os olhos humanos pode parecer difícil, mas para Deus nada é impossível”.


Drama



No Humaitá, em São Vicente, Sabrina da Silva Sampaio, de 20 anos, comemora a diminuição do choro de Luany da Silva Gonçalves, de 4. Ela ainda aguarda ansiosa uma cirurgia que sua filha fará em janeiro, para colocar o quadril no lugar.


O pior é que, nas últimas semanas, ir ao médico tem sido ainda mais dramático com o fechamento da Ponte dos Barreiros. “Ela sente muita dor e chora se fica muito tempo sentada. Atravesso com bolsas e empurrando a Luany na cadeira de rodas. É muito difícil”.


Mas, apesar de tudo isso, a chegada do irmão, Davi, de 2 anos, animou a rotina de Luany. “Para as dificuldades, damos um jeito. Só o custo do suplemento alimentar dela tem me preocupado. Uma lata pequena, que dura um dia, custa R$ 40,00. Se pudesse ganhar algo, gostaria que fosse o alimento que ela precisa”.


O presidente do Departamento Científico de Neurologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo, Saul Cypel, diz que as sequelas serão para sempre. “A cabeça das crianças é pequena porque o cérebro é pequeno. Ele foi muito comprometido por conta do vírus”.


Estudos


Sabrina atravessa a pé a Ponte dos Barreiros, ainda interditada, para levar Luany ao médico
Sabrina atravessa a pé a Ponte dos Barreiros, ainda interditada, para levar Luany ao médico   Foto: Matheus Tagé/ AT

Esse grau de comprometimento varia de acordo com a criança, mas ele dificilmente atinge a normalidade, explica o especialista. “Algumas têm até contato afetivo, mas é muito delicado fazer previsões antecipadas. É acompanhar de acordo com o crescimento”.


O infectologista do Hospital Albert Einstein Jacyr Pasternak explica que as crianças terão limitações para o resto da vida. “Elas precisam de um cuidado muito grande e para sempre. O vírus atacou o cérebro delas e causou danos irreparáveis”.


Durante o surto de microcefalia de 2015, a fonoaudióloga Andréa Medeiros acompanhou como pesquisadora o atendimento de 24 crianças, de 7 a 32 meses, em Sergipe. Foram analisadas mastigação, sucção a ação de engolir.


Ela, que também é professora da Universidade Federal de Sergipe e coordenadora do Comitê de Infância e Adolescência do Departamento de Motricidade Orofacial da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, explica que as crianças com microcefalia causada pelo Zika vírus apresentam pior evolução.


“Elas têm predomínio de respiração oral e dificuldade em mastigar alimentos. É preciso acompanhamento para garantir qualidade de vida dentro das limitações. A família deve apoiar e o Poder Público garantir serviços de qualidade”.


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