Roteiro turístico divulga a cultura e as histórias caiçaras no litoral Norte; VÍDEO

Pescadores de Boiçucanga, em São Sebastião, estreiam rota turística por seus costumes e tradições. A reportagem de A Tribuna acompanhou o passeio pelo mar; confira

Por: Ronaldo Abreu Vaio & Da Redação &  -  14/02/21  -  11:35

“Levanta, levanta!/Que já é dia/O sol desponta/Ninguém vadia”. O canto ecoava entre o silêncio da Mata Atlântica e o murmúrio do mar a cada manhã da infância de Lavínia de Matos. Aos 77 anos, ela é hoje a portadora da memória do povo caiçara de Boiçucanga, no Litoral Norte de São Paulo. A cultura que está em sua alma e coração agora será partilhada com os visitantes em um roteiro turístico específico na localidade (leia mais na próxima).


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A primeira parte do tour é justamente dona Lavínia e a história de sua vida. O verso que abre esta reportagem era o mantra do pai e indicava aos nove irmãos a hora de moer a cana para fazer o café. A primeira surpresa do dia: sim, o café tradicional era preparado com caldo de cana, e não água, no coador de pano.


Aliás, enquanto Lavínia contava o seu passado, a nós, visitantes, era servido esse café e mais: bolinho de taioba, suco de cambuci e batata doce cozida. Junto com a banana assada, esses quitutes constituem o típico café da manhã caiçara de outros tempos.


A Ilha dos Gatos é uma das paradas do tour caiçaraTambém descobrimos que batata doce se planta na lua cheia, para evitar o ataque de bichos no tubérculo. Ou que o tempo da melhor banana é entre março e novembro. Ou, ainda, que chá de folhas de pitanga consegue amainar a febre. “Tive dengue, fiquei mal. Ah, é? Pois espera: tomei o chá, em dois dias não sentia mais nada”, conta.


No mar


Se o mar é o quintal do caiçara, a maior parte do roteiro é cumprida sobre as ondas. Cultura que converge à pesca, a primeira experiência é com um cerco fixo flutuante, termo pomposo que esconde uma técnica de pescaria trazida pelos japoneses e incorporada à cultura local.


Partimos do Rio Boiçucanga em quatro embarcações rumo ao mar (quase) aberto. Adiante, já avistávamos dois pequenos barcos ‘estacionados’ nas ondas. Ao nos aproximarmos, também distinguíamos as boias de sustentação da rede submersa.


“Os peixes nadam margeando a encosta; a rede circular simula isso, eles nadam ao redor e, quando encontram a única abertura afunilada da rede, eles entram”, explicou um dos guias locais.


Um espetáculo de técnica, ciência e sensibilidade foi iniciado pelos pescadores nos dois pequenos barcos. Com a destreza que já atravessou gerações para chegar até eles, fecharam a rede e a puxaram. Nela, emergiram centenas de pequenos peixes, um punhado de lulas e até uma tartaruga. Tudo devolvido ao mar, sob os aplausos dos convidados da primeira saída da nova rota turística do Litoral Norte.


A vida dos caiçaras transcorre às margens do Rio BoiçucangaIlha dos gatos


A trupe seguiu pelo mar. O destino: a Ilha dos Gatos, ladeada pelas ilhas Montão de Trigo, além, e à esquerda a famosa Alcatrazes, que merece um parágrafo só para si.


Distante 35 quilômetros da costa, na verdade Alcatrazes é um arquipélago formado por cinco ilhas e o maior sítio reprodutivo de aves marinhas de toda a costa brasileira. A população de aves chega a 10 mil, de 1,3 mil espécies, sendo cerca de 20 endêmicas, ou seja, oriundas do próprio arquipélago.


Pronto. Bem à frente, está a Ilha dos Gatos, com sua história também peculiar. A começar pelo nome. À moda dos jardins de Santos, há quem o credite a uma infestação de ratos, providencialmente aplacada por uma horda de gatos lá depositada, posteriormente também exterminada. Mas dona Lavínia garante que o nome vem do formato: vista da praia da Baleia, a ilha parece um plácido gato adormecido.


As curiosidades vão além. No centro, estão as ruínas de uma mansão da família de Nelson Rockefeller. No governo Getúlio Vargas, a ilha foi comprada pelo milionário norte-americano para servir de refúgio durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje, ela pertence à União.


Mas os tico-ticos e tiés nada sabem sobre questões políticas ou imobiliárias. Não vi nenhum, mas a julgar pela exuberância da mata atlântica, seria natural que adotassem – também – a ilha como morada.


Talvez estivessem escondidos por ali, observando aqueles rapazes e moças que nadavam e mergulhavam nas águas de um verde claro e profundo em frente à ilha. Ou passeavam pelos cerca de trinta metros de extensão da faixa de areia.


Eu entre eles. Sonhava morar no casebre do canto da praia, refúgio do único habitante humano da ilha, o administrador, que não estava por ali no momento. Mas esta é outra história, para outros roteiros de vida e sobrevivência. Por enquanto, sigamos com as histórias de pescador.


O Roteiro


Sonhada pelos caiçaras, via Associação dos Pescadores de Boiçucanga (APB) e abraçada pela Companhia Docas de São Sebastião, como medida compensatória por impactos do porto daquela cidade, a Rota Caiçara foi viabilizada pela DTA Engenharia.


“Já tinha conhecimento do turismo como fonte alternativa de renda em várias comunidades”, recorda Jorge Alarcon, biológo da DTA que auxiliou no treinamento dos caiçaras.


A comercialização do roteiro está a cargo da Maresias Tur (www.maresiastur.com.br), ao preço de R$ 120,00 por pessoa, com direito a uma lembrança (foto). Há duas saídas diárias, às 9h30 e às 14h30. Mais informações, (12) 99650-9051.


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